Wednesday, August 25, 2010

Uma rã é uma rã é uma rã

Se a imagem de síntese chegasse agora como o sonoro chegou, creio que o deixaria [ao cinema]. Tentaria durante algum tempo, não conseguiria, perderia a vontade e deixa-lo-ia. Não me sinto, em absoluto, um igual de todas essas pessoas que trabalham com máquinas que lhes permitem acreditar que estão a fazer alguma coisa. É como o Minitel: dois anos depois, quando se tem problemas com a namorada, o Minitel não serve para nada. No entanto, gosto muito de máquinas. Quando acabei as Histoire(s) du Cinéma fui dizer "obrigado" a cada máquina, até mesmo aos botões intermitentes. Não tenho nada contra os japoneses por fazerem máquinas, aborrece-me é o que eles fazem com elas. Façam filmes com imagens de síntese à vontade, mas não contem comigo para escrever o guião... Como dizia Rostand, as teorias vão e vêm mas uma rã continua a ser uma rã...
JLG, há muitos muitos anos, duma galáxia far far away, cada vez mais far, cada vez mais away.

Thursday, August 19, 2010

Nota marginal #2

Talvez. Ou talvez não: parece-me um procedimento que ao fim de meia dúzia de experiências já está velho, automático, convencionalizado e banalizado. Referia-me a este tipo de uso rotineiro, não ao uso que alguém, eventualmente, um dia venha a dar ao processo. 99% (vá lá, 95%) dos filmes fazem um uso pobre do som; mas um uso pobre do som incomoda-me menos do que um uso pobre das 3D, que é uma coisa que, digamos, salta à vista (ou assalta a vista). Poluição visual, berraria visual, luzes acesas só para não estarem apagadas, coisas assim.

De qualquer modo não queria ser ofensivo para a Baby TV. Vejo pouca televisão e ainda menos bebés, mas dos minutos de Baby TV com que já me cruzei pareceu-me que aquilo se faz com algum interesse (um bocado "chill out zone", é verdade), e que se trabalha duma maneira séria a relação de formas e cores com a indução de um estado de "consciência" particular. Em termos de atitude perante essa relação, tipos como o Brakhage ou o Jacobs tem coisas aproximáveis. Não acho que esteja a exagerar (muito).

Wednesday, August 18, 2010

Nota marginal (?) a um visionamento de The Last Airbender

Definitivamente, as 3D são uma espécie de Baby TV para adultos. Símbolo perfeito para a “grande regressão”, corolário do processo de deliberada infantilização do espectador que já vem de há muitos anos.

Tuesday, August 03, 2010

Citius altius fortius

Em Toy Story 3 – ainda um belo espectáculo, mas o mais frouxo e acomodado dos três – é interessante reparar em dois momentos que a versão 3D (a que vi) deixa ficar em plain old 2D. A sequência que revisita a infância do miúdo (e por extensão o tempo do primeiro Toy Story, de noventa e picos) através de uma simulação de imagens em vídeo doméstico; e um plano muito breve que mostra um cinema ao ar livre onde se projecta um filme de cowboys a preto e branco (se não estou em erro este plano aparece no preâmbulo, Day & Night, que aliás – estou com os rapazes do Independencia - me parece teoricamente mais rico do que o prato forte).

O vídeo dos anos 90 e o filme a preto e branco (ou simplificando, o vídeo e o cinema) ficam ambos despojados de efeitos de relevo. Preocupação de “realismo”, eventualmente nostálgico? Admito. Mas as entrelinhas são mais significativas: como não ver nessa escolha uma espécie de “decreto” pelo qual o “state of the art” tecnológico cede, novo-riquisticamente, à tentação de decidir o que é in-modernizável, impassável a 3D, e está, portanto, ultrapassado? Mais: como não ver, nesse decreto, a fixação de uma fronteira temporal estanque que define os objectos que servem e os que já não servem? Obviamente, Toy Story 3 é um objecto que serve, e é por isso que a ressonância é desagradável: vindas do lado de fora, as declarações de obsolescência têm uma dignidade que nas vindas de dentro – do “lado certo” da fronteira temporal – se transforma em mero exercício de poder (esmagador).

É um das coisas cansativas do cinema – ou de algumas maneiras de falar de cinema – na actualidade. Tornou-se uma corrida (e nem tem só a ver com tecnologia) e até a linguagem com que se fala de cinema está cada vez mais parecida com a dos comentários desportivos. O mais caro, o mais visto, o mais rentável, citius, altius, fortius, como aferição transposta para domínios (o estético, por exemplo) que não são aferíveis assim. É um fenómeno essencialmente internético: uma “perspectiva evolutiva” baseada em coisa nenhuma mas estupidamente assertiva. Os realizadores “superam” o que “já foi feito” e deixam “novos marcos” que eles mesmos, ou outros, um dia “superarão” – como se as palavras usadas para falar, por exemplo, sobre o Christopher Nolan (outro fenómeno internético por excelência) se tivessem tornado as mesmas com que se fala do Carl Lewis ou do Usain Bolt. No desporto, os records e os “marcos” apagam-se de facto uns aos outros, e os “marcos” superados deixam de existir, desaparecem (quem se lembra dos 9.93 do Calvin Smith?). Toy Story 3 apaga Toy Story 1, ou tem só vergonha de, agora que já vai nos 9.58, ser confundido com o tempo dos 9.93? Como explicar que no cinema – que é uma questão de memória – os 9.58 não “superam” os 9.93, e que o cinema – por ser uma questão de memória – é os 9.58 e os 9.93? Que o cinema tem certamente uma história tecnológica mas não se reduz a ela nem a uma sucessão de “marcos” progressivamente “superados”, e que, antes pelo contrário, o que interessa nele são os objectos únicos, que por o serem resistem à camisa de forças da “evolução” e excluem a necessidade, ou a possibilidade, de serem “superados”? Como explicar, em suma, que qualquer random Griffith dos anos dez permanece… “insuperado”?

Saturday, June 26, 2010

Tuesday, June 01, 2010

Reinventar

Na crónica de ontem, o MEC insurgia-se contra o uso da palavra “reinventar”, por, entre outros problemas, querer normalmente implicar que quem “reinventava” era tão bom ou melhor do que quem “inventou”, e também que a coisa “reinventada” passava a um estado superior ao da sua mera “invenção”. Partilho genericamente as preocupações do MEC com este abuso.

Mas acontece que de vez em quando quer-se mesmo implicar isso. Por exemplo, a frase que há um par de horas (três pessoas na sessão das 00.30 no King) me habita o espírito : “Em Noite e Dia Hong Sang-Soo reinventa o zoom”. Isto começa por ser uma maneira hiperbólica – em certas situações o exagero é uma forma de justiça – de elogiar o sentido do reenquadramento óptico em Hong Sang-Soo, e depois quer mesmo dizer que Hong Sang-Soo é melhor que o tipo que inventou os zooms, e que com ele o zoom se torna uma coisa melhor. Conduzindo a justiça hiperbólica a um paroxismo, diria mesmo que poucas vezes, desde o Era Notte a Roma com que Rossellini se tornou o primeiro tipo a reinventar o zoom ainda mal o zoom tinha sido inventado, o zoom se tornou numa coisa tão boa.

Um blog está morto a partir do momento em que o que é preciso justificar é a presença e a não a ausência, e quando um tipo não consegue escrever um post sem se imaginar a passar por uma introdução deste tipo. Mas são 5 e tal, boa hora para blogues zombies, estou em frente ao computador por obrigações profissionais, e de qualquer maneira eu estas coisas escrevo-as em questão de minutos, que não adiantam nem atrasam a todos aqueles que estão à espera que eu termine certas tarefas, nem pesam sobremaneira no meu sentimento de culpabilidade por ainda não as ter terminado.

Thursday, February 04, 2010

Fuga para a vitória

O lado esteticamente demissionário de Invictus intriga-me mais do que o que me chega a incomodar. Evidentemente, é inútil procurar justificações na estranheza daquele mundo (Mandela, a África do Sul, o rugby) dentro do cinema de Clint. Porque se reduzirmos a coisa a arquétipos a estranheza dissipa-se: Mandela como garante do equilíbrio precário entre a lei (e a ordem) e uma anarquia cuja sombra se mantém iminente, num país, para todos os efeitos, "novo". (Que Clint pensou no "western" diz-nos aquele plano paisagistíco - um baldio suburbano - ainda no princípio, um plano totalmente dominado por linhas horizontais, aproximável dos planos de abertura do Unforgiven, por exemplo. E o primeiro encontro, bastante divertido, entre os guarda-costas negros e os guarda-costas brancos tem a tensão "nonchalante" de um encontro entre bandos de pistoleiros rivais forçados a trabalhar em conjunto. Ou a intervenção de Mandela na reunião do Conselho Desportivo). Autoridade moral e autoridade simbólica, com o rugby a fazer figura de "objecto" que importa proteger de qualquer tipo de corrupção. Tudo isto é perfeitamente eastwoodiano, se não dermos muita importância ao desenho das bandeiras.
Porque é que que Clint deixa que a modorra se instale, acompanhada de uma meia-dúzia de apartes convencionalíssimos? Sei lá. Talvez falte confronto, talvez falte uma definição -uma imagem - clara daquilo a que a(s) personagem(ns) se opôe(m). Sendo um filme pós-conflito, talvez falte o momento em que se escolhe um lado (que quando o filme começa já está, digamos, pré-escolhido), o momento da tomada de consciência que é fundamental em tantos Clints (a "conversão" da personagem de Matt Damon não é bem isso). Se, o desporto como metáfora, fazer um filme sobre Mandela é um bocado como fazer um filme sobre um árbitro, não espanta que todo o conflito seja transferido para os jogos de rugby entre a África do Sul e as equipas que se lhe atravessam ao caminho, e para a adesão dos negros à equipa de rugby do seu país. Mas ainda aqui, não está já tudo escolhido e decidido desde o princípio?
Claro: Mandela é uma figura admirável e o povo sul-africano (os pretos e os brancos, mais os de outras cores que por lá andem), visto através do filme, não é menos admirável. O panegírico é um modelo tão estimável como qualquer outro. Mas há décadas que se deixou de saber fazê-los bem. E a Clint - que não é o "último dos clássicos" coisa nenhuma, antes o "primeiro dos pós-clássicos" - está visto que não passaram o segredo (a culpa não é dele, é só que os segredos de "factura" da Hollywood clássica enterraram-se com ela). Resta a consolação de ser bem melhor do que o "sports film" do seu herói pessoal, John Huston (Fuga para a Vitória).
Não menos claro: apesar de parecer uma bande-annonce para o Mundial de Futebol 2010, e de o seu optimismo estar completamente fora de moda, a sobriedade de Invictus é infinitamente mais séria do que muita tralha "radical" (pueril) e "autorística" (de imitação) que anda a ser vendida como obra-prima. But don't get me started on that.
Pormenor de capital importância: 2 ou 3 estrelas? Duas fazem jus ao lugar do filme na obra de Clint. Só três prestam justiça ao seu lugar ao pé da tralha. Afortunadamente, tenho uns dias para decidir.

Sunday, January 31, 2010

Se isto são os "leitores"

Crítica por: Mastroianni de Guimarães

É por este pseudo-intelectualismo e deprimência pessoal do critico que não ligo às criticas do Publico. Tal como dito por outros, o critico deve ser parcial e tentar perceber que nem toda a gente é entendida em cinema, e muito menos a tentarem induzir o espectador num comentário no mínimo ultrajante que tem todo o intuito de deitar abaixo o filme. Sinceramente não concordo absolutamente nada com o que escreveu e devo dizer que as suas palavras revelam unicamente frustração profissional da sua parte. Critico que se preze sabe separar o trigo do joio dependo do contexto em que este se insere. Deixe de se armar num pseudo.intelectual que tenta engatar ''miúdas'' com o seu vocabulário ''caro''. Não impressiona, só dá vontade de rir.

Crítica por: Andre de Viseu, Portugal

" "Anticristo" não é um filme feito para se ver, é um filme feito para se falar sobre ele. Oferece a cana, o anzol e o isco: tem imenso para "interpretar", fará furor em sessões com "debate". " Esta frase resume muito bem a minha opinião acerca deste Anticristo. E como para mim os filmes são feitos para se ver, este Anticristo parece-me de todo um filme falhado. Queria no entanto deixar aqui uma nota muito negativa à crítica do Sr. Luís Miguel Oliveira. Penso que um crítico de cinema não escreve nem para si (ou só para si) nem para um nicho de pessoas que percebem de cinema. Escreve sim para pessoas que gostam de cinema. Nesse sentido é gritante a falta de preocupação que esta crítica tem em tornar-se perceptível - já nem falo em ser cativante (como um qualquer bom trabalho jornalistico deve ser). Afinal os criticos ainda têm um papel importante em levar as pessoas ao cinema a ver um determinado filme ou não. Mas para isso é importante que as críticas sejam claras e, sim, cativantes.

Crítica por: Costas Mandylor de Pigeiros

Eu que costumo dizer mal de tudo, nunca vi ninguém dizer tão mal de um filme. Lamento a sua falta de profissionalismo, mas louvo a comédia que aqui evidenciou na sua critica. Simplesmente divinal. Mas confesso que o monte de treta que aqui escreveu, serve essencialmente para mostrar que a dada altura foi seu desejo ser profissional do mundo do cinema. Ás tantas não conseguiu. Que outra razão haverá para falar de forma tão autoritária das técnicas utilizadas em ''Anticristo''? Só pode ser isso. Tenho pena do seu pretensiosismo rebuscado, e pseudo-intelectualismo barato, que roça por si só, a valente vontade de destruir por completo esta obra. Todos têm direito á sua opinião, contudo, um bom critico não deve nunca, mas nunca, influenciar um leitor á margem de não ter sequer vontade de ver um filme. Quem é o senhor para impedir quem quer que seja de ter a sua opinião sobre um filme, uma vez que quem ler isto não vai ter sequer vontade de ouvir o titulo ''Anticristo''?! Um critico tem acima de tudo uma responsabilidade social, uma vez que partilha os seus pensamentos com outros ao publicar o seu artigo. Isto é fascismo puro! Vá ver o ''Laço Branco'', caso não tenha visto, e aprenda alguma coisa com os miúdos do filme. O senhor é o Anticristo dos críticos. Cumprimentos Mandylorianos.

Crítica por: Pedro Veríssimo de Lisboa

Goste-se ou não se goste do modo como ele escreve (e eu não gosto), o texto do Luís Miguel Oliveira exprime a opinião dele sobre o filme. A maior parte dos comentários que aqui leio limitam-se a deitar abaixo o texto sem explicar o que é que quem os escreve achou do filme (se é que o viu). Parece que estavam à espera de um texto de que não gostassem para lhe cairem em cima, exactamente como acusam o Luís Miguel Oliveira de fazer, refugiando-se por trás do anonimato em argumentos que já não convencem ninguém. Em vez de ler comentários que propusessem outras opiniões sobre o filme, só temos insultos de treinadores de bancada que nem sequer se identificam, que não dizem nada sobre o filme, que só dizem mal do texto e do crítico (e que só aparecem quando é ele que escreve, curiosamente). Para citar o inenarrável sr. de Almada, que comentadores são estes?

Crítica por: Marisa de Setúbal

Vi o "Anticristo" mais como um teste à minha sensibilidade do que outra coisa qualquer. Chocou-me sim, tanto, que a música do início ficou algum tempo a soar na minha cabeça, como uma má recordação de alguma coisa que não cheguei a perceber o que era, pelo pouco que extraí deste filme.

Crítica por: A de Almada

Como sempre o senhor Luís miguel Oliveira a escrever uma crónica anacrónica e irrelevante denominada pela máxima "dantes é que era bom". Que crítico é este?

Crítica por: Anti-Críticos de Portugal

Estes críticos portugueses estão cada vez melhores. Se o filme fosse francês já lhe davam 5 estrelas. Enfim, não há mesmo palavras. Por isso é que não vale a pena ler as críticas dos supostos "especialistas" portugueses em cinema. Especialistas, esses sim, são muitos dos bloggers portugueses que conseguem ser parciais nas suas críticas. Há que ter mente aberta meus amigos. Eu sei que gostam muito de cinema europeu, eu também, mas há que saber ver tudo.

Crítica por: NL de Lx

Suponho que o "Luís Miguel Oliveira" nunca tenha ouvido falar de "pós-modernismo"... talvez se devesse informar, pois é um conceito relevante para sequer se começar a compreender a obra do von Trier. Sem ser a obra-prima do dinamarquês, "Antichrist" é um bom filme repleto de motivos de interesse. Não estamos em 1975?... Bem, para alguns de nós a magia do Cinema é este ser intemporal. Ainda hoje para mim foi 1964 com "Kwaidan" do Kobayashi. Para outros, haverá "Avatar" (a versão 3D com os óculos 3D...) ou qualquer outro produto descartável que marque os sinais dos tempos.

Crítica por: Leonidas de Somewhere

Quanto à critica só tenho um comentário a fazer..."deplorável"...as expressões de latim destinadas a transparecer uma imagem séria não disfarçam a falta de imparcialidade e o saudosismo bacoco em relação a modelos antigos e ultrapassados que o autor da critica demonstra ter, e é incompatível com a seriedade que um critico do cinema deve ter. "Maus" são muitos dos filmes que passam em certos canais da televisão portuguesa a partir das 14h. "Maus" são filmes de fim do mundo, que estoiram orçamentos milionários e tudo para repetir fórmulas de efeitos especiais já mais que vistas. Um filme que tenta inovar e apresentar algo de novo pode ter as suas falhas, agora um filme ser considerado "mau" por ser "diferente" creio que se trata de um insulto para quem ama o cinema. Os meus cumprimentos para todos os cinéfilos!

Saturday, January 23, 2010

Angel face

E dizer que a Jean Simmons que agora se foi (1929-2010) deu a Preminger, milhões de anos antes das marionetas de Haneke, essa arrepiante criança diabólica de rosto angélico - Angel Face - no ponto culminante do quarteto infernal (Laura, Sidewalk, Fallen Angel, Angel Face) de Herr Otto.
A caixa de velocidades como arma contra o Mal: perguntem a Mitchum.

Sur Rohmer

Skorecki, aqui:
qu'un homme de cette qualité là puisse en un clin d'oeil disparaître sans bruit, sur la pointe des pieds, dit toute sa noblesse .... que les medias et surtout la télé restent muets devant sa mort (il filma pour la télévision scolaire des heures et des heures de pures leçons de cinéma) en dit long sur l'inculture de ces mêmes medias ... c'était évidemment le plus grand cinéaste français après bresson, et avant brisseau et moullet, deux de ses plus brillants disciples .... on va encore chercher deux ou trois autres mots à dire (qui s'ajouteront au seul texte digne qui ait été publié sur la mort de rohmer, celui de philippe azoury dans libération), mais on peut déjà avancer sans crainte de se tromper, qu'il était à lui seul le cinéma, et qu'il a tout appris à jean-claude biette, marguerite duras, jean eustache, et aussi à un certain .... woody allen (la collectionneuse est de 1967, annie hall de 1977)
à propos de la mort en douce d'éric rohmer, on peut d'ores et déjà remarquer une chose: seuls ses acteurs lui ont été fidèles, témoignant humblement de ce qu'il leur avait appris, avec une intelligence et une modestie qui forcent l'admiration ....
PS. la mort de rohmer permet enfin d'en finir avec l'hérésie fondatrice du cinéma de bresson , ce sublime aveuglement qui lui fit tenir le théâtre comme seul responsable de tous les maux du cinéma, alors qu'il aura été -de loin- le plus génialement théâtral des cinéastes, depuis ses deux films inauguraux, les anges du pêché (incursion sublime dans le porno mizoguchien), et les dames du bois de boulogne (contamination du récit par une intrigue parallèle sado-lesbienne)... rohmer se sera plutôt attardé, de biais, sur les perversités des petites filles modèles, bresson s'en tenant à un érotisme plus frontal, plus balthusien, mais tout ça n'aura été au fond que théâtre, sublime théâtre, et rien de plus ....
E em Lisboa, para a semana.

Thursday, December 31, 2009

31 de Dezembro

À falta de qualquer coisa mais típica de um dia 31 de Dezembro, deixo aqui a minha contribuição para o top 2009 dos críticos de cinema do Público. A ordem é alfabética, pelos nomes dos realizadores, e a listinha é assim:

THE HURT LOCKER, Kathryn Bigelow
NE CHANGE RIEN, Pedro Costa
GRAN TORINO, Clint Eastwood
GO GO TALES, Abel Ferrara
TWO LOVERS, James Gray
THE LIMITS OF CONTROL, Jim Jarmusch
PUBLIC ENEMIES, Michael Mann
SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA, Manoel de Oliveira
EL CANT DELS OCELLS, Albert Serra
INGLOURIOUS BASTERDS, Quentin Tarantino

E bom, a modos que prontos. Saúdinha é que é preciso, roll on 2010.

Tuesday, December 22, 2009

Close reading ao texto de uma pessoa indignada com o meu texto sobre o "Avatar

Começo a ficar francamente enjoado com a frequência destas coisas (2009 tem sido um fartote) e só tenho um apelo a fazer: eh pá não leia, porra, não leia a porra dos meus textos. Mas se por acaso ler e quiser discutir o que lá está escrito, discuta de facto o que lá está escrito - frases, argumentos, factos, palavras - em vez de se perder em caracterizações grupais e pessoais mais maniqueístas do que o próprio "Avatar". Dou um exemplo: comento o seu texto frase a frase. Os itálicos entre parêntesis rectos são meus, o resto é seu.

"Não há volta a dar: a crítica raramente está de acordo com a opinião do público em geral. [Notícia de última hora]. Refiro-me, sobretudo, à crítica de cinema. [Naturalmente, é um bocado difícil saber a "opinião do público em geral" sobre o último quadro da Paula Rego]. Na generalidade dos casos [a generalidade faz lei?], quando o crítico de cinema elogia um filme e lhe atribui 4 ou 5 estrelas, o público não adere [qual crítico, qual filme, qual público?]; quando um filme é sucesso de bilheteira (ou seja, que cheira a "mainstream" enlatado) [todos os sucessos de bilheteira são "mainstream enlatado"?], mesmo que seja assinado por um realizador minimamente credenciado, o filme é destroçado com uma estrela ou, dependendo do ânimo do crítico nesse dia [isto é que é insight psicológico], com uma redonda bola preta [Tarantino, Clint Eastwood, Michael Mann, David Lynch, casos típicos]. O crítico de cinema escreve que o filme de um obscuro realizador [a obscuridade é um defeito?] de Taiwan ou do Irão é uma obra-prima [coisa absurda, obras-primas em Taiwan e no Irão], e o resultado não se exprime na bilheteira [e o que tem uma coisa a ver com a outra?].

Por outro lado, um filme de acção com actores conhecidos [diria mesmo que até com actores desconhecidos], por mais textos destrutivos ["texto destrutivo" só se for impresso em nitroglicerina] que os críticos possam escrever, nunca impedirá que seja um sucesso [mas alguém escreve para "impedir sucessos"?]. Então, para que serve a crítica de cinema se não influencia, aparentemente, nenhum cinéfilo [nenhum?] na hora de optar por qual filme ver? [Boa pergunta; eu respondo por si: não serve para nada e não tem qualquer utilidade, pertence ao domínio das coisas que se fazem e se consomem simplesmente por que se quer fazê-las e consumi-las] Por vezes serve (como uma vez um amigo do meio me confessou) [ai, o "meio", o sinistro "meio"] para que os críticos escrevam "uns para e contra os outros" [não sei se isso é verdade mas seria natural que o fosse, porque são os críticos quem normalmente conduz o debate público sobre os filmes], fomentando guerrilhas intelectuais despropositadas [se não fossem "intelectuais" já seriam "propositadas"?] e em circuito fechado [chama-se a isso, se consigo, eu que não ando no mato, perceber alguma coisa, "discutir filmes", "discordar", "debater", e não creio que seja um exercício especialmente belicista]. A crítica serve para davaneios [má resposta à boa pergunta, eu bem que tentei; e má ortografia já agora] e exercícios altamente retóricos e teóricos (onde cabe toda a semiologia da arte [cabe???] e a linguagem da escola dos "Cahiers du Cinéma" [dos "Cahiers" amarelos? dos "Cahiers" dos anos 70? Dos anos 90?] de teor totalmente egocêntrico e pedante [os Cahiers são uma revista, não uma escola, tiveram centenas de colaboradores ao longo de sessenta anos e muitas "linguagens" diferentes; isto são factos; já ter o "egocentrismo" e a "pedantice" como traço que mais relevantemente caracteriza esta diversidade é mera opinião] . Serve também para dizer ao povo: "atenção, eu sou o crítico de cinema, eu é que sei avaliar e analisar um filme, vocês são meros receptores passivos sem direito a opinião contraditória" [tem portanto o crítico, em vez de se preocupar com o que tem a dizer, de informar a cada duas linhas que o leitor "não é um receptor passivo" e "tem direito a opinião contraditória", porque se não o leitor esquece-se disso]. A sério que às vezes é o que parece [nem tudo o que parece é]. A crítica de cinema na imprensa escrita portuguesa, ao contrário da crítica musical, mais aberta e menos preconceituosa [não duvido: mas mais aberta e menos preconceituosa em relação a quê? não diz mal dos "discos de ouro" e está-se nas tintas para o equivalente musical dos filmes de Taiwan e do Irão?], revela ainda o estigma da intelectualização do exercício crítico [o que é obviamente abusivo, porque o exercício crítico, por definição, não é um exercício intelectual] que foi herdado da crítica francesa mais erudita [outra vez a "crítica francesa"; ainda se fosse da "menos erudita" e tudo seria, quiçá, mais aceitável].

O crítico de cinema português [o criticus lusitanus], salvo raras excepções [onde receio que não vá ser incluida a minha pessoa], é um petulante e distante observador do fenómeno artístico [de que fenómeno artístico estamos a falar? do fenómeno cinematográfico? como se explica então que tente encurtar a distância com que se observa, por exemplo, Taiwan e o Irão?]. Não imiscui o seu gosto cinéfilo elitista [o seu gosto é o seu gosto, o "elitista" fica com quem lhe chama assim] com o gosto da maioria da população ["imiscuir" gostos uns nos outros soa mal e não se percebe o que possa ser]. Escarnece (quase) [ah que "quase" tão conveniente] tudo o que provém dessa terra do mal [nunca vi chamarem-lhe assim] chamada Hollywood e enaltece, de forma orgástica [um verdadeiro deboche, uma lambuzice pegada], a última obra-prima do realizador vietnamita Tran Anh Hung ou do tailandês Apichatpong Weerasethakal [comparação justíssima: em Portugal estreiam-se todos os anos duzentos filmes vietnamitas, duzentos filmes tailandeses e duzentos filmes americanos]. O crítico de cinema adora destroçar o que é do gosto minimamente popular [ora aí está uma ideia original], que tenha algum sucesso comercial [regra nº1, se rendeu nem que seja cinco tostões é para dizer mal], que venha dos EUA [outra vez: Eastwood, Mann, Jarmusch, James Gray, Tarantino, Wes Anderson, célebres realizadores vietnamitas]. Por seu lado, adora incensar as cinematografias mais exóticas e desconhecidas [e não é essa a sua missão, porque o que é exótico e desconhecido assim deve permanecer para sempre; pode-lhe custar a acreditar, mas houve um tempo em que até Kurosawa era um realizador "exótico" e "desconhecido" na Europa], precisamente para mostrar ao mundo a sua inesgotável sapiência e erudição [será por isso? não será pelo prazer de partilhar os seus gostos e as suas descobertas? ou até mais simplesmente, para informar, assim como o locutor do telejornal que fala do terramoto na Cochinchina não está necessariamente a exibir a sua sapiência e erudição?]. São poucos os críticos que têm discernimento (ou que querem ter) para fazer a "ponte" [para fazer pontes chamam-se engenheiros, não críticos de coisa alguma] entre as duas posições radicalizadas [quais posições? "radicalizadas" como? nos termos grosseiros e caricaturais com que o blogger as "radicalizou"?].

Vem isto a propósito da recepção crítica ao filme "Avatar" de James Cameron [não estava à espera que viesse a propósito de algum filme de Taiwan]. O jornal Público, à excepção de Jorge Mourinha, que sabe cultivar uma visão equilibrada dos objectos estéticos, atribuiu 3 estrelas ao filme [frase sem pés nem cabeça: não foi o jornal Público que atribuiu três estrelas ao filme, foi um crítico do jornal Público, o Jorge Mourinha, e ele não as atribuiu "à excepção" dele próprio]. No entanto, a restante classe [coisa que não existe] de críticos varre o filme com uma estrela [é mentira, basta ver os jornais], desprestigiando um dos fenómenos cinematográficos mais importantes do ano (no mínimo) ["desprestigiando"? no sentido em que se eu disser que me estou nas tintas para que a Red Bull Air Race venha para Lisboa ou fique no Porto também estou a "desprestigiar" esse aéreo evento?]. É que o crítico militante tem de estar sempre do outro lado da barricada [não, é mais simples do que isso: o crítico, militante ou diletante, ou gosta ou não gosta dos filmes]. Por seu turno, Luís Miguel Oliveira [ora cá vou eu], um crítico do mesmo jornal, deita abaixo [a última vez que o vi ele aguentava-se perfeitamente na vertical, a toda a altura do ecrã] o filme de Cameron e desvaloriza a utilização do 3D como instrumento capaz de valorização estética [perdão, mas ou é burro ou eu escrevo mal; acredito mais na primeira hipótese mas por delicadeza ponho a segunda e explico numa linguagem acessível: eu dizer que 3D ser o melhor e mais espectacular de "Avatar"; eu dizer ainda que tecnologia 3D ir certamente evoluir muito, muito, muito, eventualmente dispensar óculos e acessórios, e um dia não muito distante a gente se calhar ver "Avatar" como coisa rudimentar; eu lamentar que supor esta evolução tecnológica seja "desprestigiar" "Avatar"].

É neste tipo de textos que se comprova o nível de preconceitos críticos de certos jornalistas [não: é neste tipo de textos que se comprova o nível de preconceitos anti-críticos de certos leitores]. Além do mais, parece que se quer evangelizar ["bad choice of words" num texto que ainda não parou de pregar o seu evangelho desde a primeira linha] o público com questões conceptuais [e o cinema nada tem a ver com questões conceptuais], recursos linguísticos rebuscados [de facto, nada como os recursos linguísticos do "Obélix e Companhia"] e revelações de episódios da história do cinema [onde já se viu, revelar episódios da história do cinema, coisa mais estapafúrdia].

É sobranceria intelectual a mais ["sobranceria intelectual a mais" é escrever este arrazoado e depois dizer na caixa de comentários do blog que ainda nem sequer foi ver o filme] . E basta ler alguns comentários online ao referido texto de Luís Miguel Oliveira para perceber que há pessoas - meros espectadores ou cinéfilos, do lado de cá - que sabem tanto ou mais de cinema (e têm mais abertura cultural) [eu tenho a certeza absoluta de que as há aos milhares e aos milhões, e até conheço umas centenas delas, mas nos comentários online não encontrei nada com que aprender, só com que desaprender] quanto o crítico no alto do seu pedestal [aprenda a ver "o crítico" sem o pedestal onde você o imagina, vai ver que depois até percebe os textos melhor]. Essa é que é essa [ah, é é, e nem você sabe como]."

Monday, December 21, 2009

Aprender a injustiça

Désiré, de Sacha Guitry, é (em absoluto) um belo filme e (em especial) um belo filme sobre as relações entre patrões e criados (espécie de pré-La Régle du Jeu em versão teatro de boulevard; e se o de Renoir, que é de 39, põe uma pedra sobre o assunto, o de Guitry, que é de 37, já avançava, muito explicitamente ou muito elipticamente, hesito, a promiscuidade como [dis]solução do ancien régime). Portas, escadarias, pisos superiores e inferiores a dar com um pau, como seria de esperar. E o habitualmente tão misantrópico Guitry, aristocrata em pele de valet de chambre, a inverter todas as relações de poder, mas sobretudo todos os sentimentos de poder: mesmo os patrões são os criados de outros, como o pobre ministre. E é esta humanidade, esta possibilidade de compaixão, que revela, por antecipação, que tudo se tornou numa mascarada (na comédie do filme de Renoir). Como quando o ministre, que por estatuto se sentiu na obrigação de ser arbitrariamente severo com o valet, remói a caminho do quarto: "ah, como é fácil ser injusto". Um verdadeiro monsieur não sofreria com isto.

Tuesday, September 22, 2009

Big Bigelow


Gosto de tudo o que a Bigelow fez e tenho imensa pena (mas está-se sempre a tempo) de nunca ter visto The Loveless (de 1982), a sua primeira longa-metragem e, rezam as crónicas, o seu filme mais ligado à “avant garde” que ela frequentou e onde artisticamente se formou. Depois, de Near Dark (um dos últimos filmes de vampiros verdadeiramente negros e adultos antes da “teenagerização” que mordeu o pescoço ao género) a K-19 (basicamente, Only Angels Have Wings com um submarino em vez de aviões, e claro, sem mulheres, porque quase nunca as há nos filmes da Bigelow), gosto de tudo, especialmente de Point Break (desaparecido dos obituários “oficiais” de Patrick Swayze em favor do patético Dirty Dancing e do xaroposo Ghost, mas de longe o melhor filme* com o finado actor – e onde há a melhor cena de perseguição dos últimos vinte anos, mas uma perseguição a pé, espécie de Bullitt em sapatilhas) e de Strange Days, um dos meus filmes preferidos dos anos 90 (a gente via aquilo e percebia que o filme estava a adivinhar a invenção de qualquer coisa que ainda não sabíamos o que era mas que pressentíamos plausível e iminente; hoje sabemos o que é: a “cultura Youtube”, nacos de memórias íntimas gravados e espalhados em câmaras de telemóvel).

Não me espanta que tenha gostado imenso de The Hurt Locker. Só discordo de uma coisa em relação ao que tem sido dito: não estou inteiramente convencido que se trate de um filme sobre a guerra do Iraque. Assim como K-19, que se passava num submarino soviético, não era um filme sobre a guerra fria. A guerra do Iraque é a guerra que está à mão, e não descuremos a importância que estas coisas têm na hora de encontrar financiamento para a produção e, depois, para ter eco nos media. Há uma total ausência de discurso – político, moral, ideológico, histórico – sobre o Iraque. E isto é essencial porque Bigelow trabalha a partir dessa suspensão de todo o tipo de juízos para chegar uma coisa muito mais básica: filmar a febre da guerra, a ansiedade, a embriaguez, a predisposição psicológica (ou antropológica) para viver em “estado de guerra” (que é ao menos uma maneira de encontrar algum sentido no desenxabido título português do filme). Fuller está perto, o que é obviamente não é magro elogio. (Kubrick também, mas não o de Full Metal Jacket; o de 2001, cuja “solidão do astronauta” é explicitamente citada, e com todo o propósito).

Ainda assim, Bigelow exprime fabulosamente um ou dois elementos intrínsecos ao Iraque e à sua peculiar fusão da guerra no pós-guerra. Esta guerra que na relação com o território não se compara a nenhuma outra – nem retaguarda, nem flancos, nem linhas definidas: cada homem (cada soldado americano) é um enclave, tem 360º com que se preocupar. A cena do carro (prodigiosamente construída), com o minarete e o operador de vídeo, e todos os cruzamentos de olhares e de miras, é um “raccourci” genial da condição do soldado americano na estranhíssima cidade-armadilha que é Baghdad. Uma cidade onde um talhante pode ser um bombista, onde o inimigo não se reconhece pelo uniforme nem pela fisionomia nem (como nos Basterds de Tarantino) pela língua ou pela gestualidade. Gera mais pânico o quotidiano doméstico (inidentificável e incontrolável) do que o desarmadilhamento de uma bomba (tarefa que se pode calcular e circunscrever). Há uma sequência genial sobre isso, quando o protagonista se aventura sozinho, com as calças malhadas do uniforme a denunciá-lo, pela Baghdad nocturna. Mete mais medo a aparência de paz do que a evidência da guerra, está-se sempre, potencialmente, do outro lado de um shoot’em up de computador.
* Estúpida precipitação: Swayze também esteve no Coppola, no Milius e nesse meu personal favourite que é Donnie Darko. Gosto muito de Point Break mas não consigo dizer que é melhor do que o Coppola (The Outsiders), porque poucas coisas, mesmo que sejam muito boas, são melhores do que os melhores Coppolas, e os melhores Coppolas são os Coppolas quase todos.

Friday, September 11, 2009

Com o Rambo de fora

Aprecio "opinião" e, forçosamente, "opinadores", e até há quem diga que, por causa de escrever coisas sobre filmes num jornal, eu próprio sou um "opinador" (o que é mentira: eu não opino, eu escrevo coisas sobre filmes). Mas aprecio sobretudo a opinião, mormente quando é ideológica ou politicamente motivada, que consegue manter um vínculo palpável entre o seu desenvolvimento e os factos que a suscitaram. Se é para ler monólogos paranóicos pego no Burroughs. Ora, tenho a vagamente incómoda sensação de que o sucesso de alguns cronistas se deve ao facto de deslizarem sobre a realidade como se ela fosse uma placa de gelo, a um ponto tal que o que escrevem se torna praticamente irrefutável recorrendo apenas à razão. É preciso temperá-lo com os mesmos ingredientes (disparate, demagogia, generalizações estapafúrdias) e isso pode ser um exercício tão cansativo que convida à desistência antes mesmo de ser iniciado.


Helena Matos é um caso típico. A única coisa intelectualmente honesta da invectiva contra os "festivais de cinema" (aparentemente todos, sem distinção) e contra os "frequentadores dos festivais de cinema" (que são obviamente todos iguais, uma espécie de seita) é o título da caixinha em que a crónica foi publicada: "Um Lugar Estranho". Porque é evidente que os festivais de cinema são um lugar estranho a Helena Matos. Mas nunca deixes que a estranheza e o desconhecimento te atravanquem o caminho da demagogia, deve dizer algures o manual do bom cronista político.


Da primeira parte da investida (a propósito de uma retrospectiva Stallone em Veneza - e é claro que tinha que haver gato com o Rambo de fora para ela se incomodar), em tirando-se-lhe a generalização e a deturpação, não sobra nada, é pura fantasia sectária e complexada (até os franceses lhe deram, ao Stallone, um César de carreira - em 92! - e quem o tratou pior foram os americanos dos Razzies - elegendo-o "worst actor" do século XX - que não têm nada a ver com festivais). Stallone é uma figura interessante, sempre foi, e fazer uma retrospectiva não tem que significar que o que era mau passou a ser genial. E ainda que o fosse, as coisas são assim: mudam. Como bem sabe o próprio Stallone, que no Rambo III andou todo contente a combater a invasão russa do Afeganistão ao lado dos seus futuros ex-amigos talibãs.


A segunda parte é mais divertida. Parece que os festivais (mais uma vez, todos) se comprazem em "dar destaque e condescendência a ditadores, comandantes e qualquer ser que produza um discurso que lhes pareça ser anti-sistema". Fora a circunstância de haver uma certa diferença entre o Michael Moore (que aposto que é o tal "ser" do "discurso anti-sistema") e um Hitler ou um Estaline (mas mais uma vez se não fosse tudo metido no mesmo saco nem sequer havia assunto), até gostava que Helena Matos me desse dois - não mais do que dois - exemplos concretos e factuais destes destaques e condescendências. Como não consegue, defende que "durante algum tempo" eles se reflectiam "num tratamento benévolo nos guiões". Aqui começo a perder-me: que raio têm os guiões, benévolos ou malévolos, a ver com os festivais? E ainda que tenham, e haja assim uma espécie de grande central de onde isto tudo sai concertado (os guiões, os festivais, os frequentadores dos festivais, os destaques e as condescendências), mais uma vez eu gostava de ter dois e só dois exemplos concretos e factuais que me confirmassem a norma decretada pela cronista. Estará à referir-se à "trilogia da tirania" (Hitler, Lenine e Hirohito) de Sokurov? Duvido. Aquele conspícuo "comandantes" enfiado entre os "ditadores" e os "seres anti-sistema" leva-me a suspeitar que se esteja a referir ao Che de Soderbergh, e muito provavelmente a confundir "neutralidade" (que é uma questão objectiva e formal) com "benevolência" (que é uma questão subjectiva e moral, em nada implicada pela primeira). Seja como for, seria pouco para estabelecer um padrão.


Mas quando Helena Matos fala de ditadores está normalmente a referir-se a Fidel Castro ou a Hugo Chavez (que tecnicamente não sei se pode ser considerado um "ditador", mas para o caso pouco importa). E é isso mesmo: incomodou-se com a presença de Chavez em Veneza. Devia ter explicado, porque certamente o sabe, que Chavez foi a Veneza por um motivo especifíco (é o objecto do último filme de Oliver Stone, cuja "benevolência" nem eu nem ela estamos em condições de julgar) e não porque o festival o resolveu convidar out of the blue, mas isso cortava algum do efeito. Stone fez um filme com Chavez, assim como já fez um com Castro e diz que quer fazer um com Amahdinejad. Aha!, destaques e condescendências. Mas isso não tem a ver com os festivais, tem a ver com o Stone que é maluco e também já fez um filme (apologético) com o Bush. E o poder, seja lá qual for a sua legitimação, é um tema interessante. A alternativa do festival seria talvez não passar o filme e cortar o pio ao Chavez mas, e por isso é que mencionar o filme talvez não desse jeito, a sugestão ficava mal junto do resto da página, gasta a falar da censura e da TVI e da Moura Guedes e o diabo a quatro. É mais espectacular fantasiar com Veneza inteira, festival e "frequentadores", numa cerimónia de adoração de Chavez e do seu discurso "anti-sistema". E apresentar isso como uma prova irrefutável: os festivais de cinema esmeram-se nos seus destaques e condescendências com ditadores. Mai nada.

O lado engraçado disto é que a maior parte destes grandes festivais (Veneza, Cannes, Berlim talvez um pouco menos...) se caracteriza, justamente, pela tendência para um conservadorismo institucional, muito mais "dentro do sistema" do que os delírios paranóicos da cronista conseguem conceber. E Veneza, então, que foi um festival inventado pelo regime de Mussolini, em parte para promover a produção do "sistema" italiano... Aí, de facto, sob certa perspectiva, é lamentável: um festival que já teve como principal prémio a Coppa Mussolini tem agora Chavez a pavonear-se na passadeira... vermelha.


O curioso é que, sendo mussoliniano, o Festival de Veneza exibiu e nalguns casos premiou, durante os seus anos iniciais (quanto mais se sobe ao longo da década mais a coisa endurece, mas não obstante), cinema americano de inspiração rooseveltiana, clássicos do esquerdismo francês dos anos 30, e até - pasme-se - soviéticos tão alinhados como Dovjenko. Eram fascistas mas gostavam de cinema, e viam filmes antes de verem "sistemas" e "anti-sistemas". Isto pode ser um choque para a Helena Matos, mas na maior parte os festivais de cinema, bem como os seus "frequentadores", são assim: gostam de filmes. E irritam-se com os comentadores que, não os conhecendo de lado nenhum, projectam neles o seu abominável sectarismo.






Wednesday, September 09, 2009

Para sempre Helsínquia

Não tem sido um mau Verão, e americanamente falando tem sido mesmo um muito bom Verão - Tarantino, Gray, Jarmusch, Mann (por esta ordem). Mas foi de um país e de uma cidade onde é quase sempre Inverno que veio um dos filmes que me entusiasmaram mais nas últimas semanas: Helsinki, Forever (Helsinki Ikuisesti, se acharem, como eu, que a língua finlandesa, mais do que impenetrável, é lindíssima), feito por esse velho leão das Cinematecas, homem-enciclopédia, last cinephile on earth, Peter von Bagh. Imagens de arquivo, de há meia dúzia de anos ou de há cento e tal anos, a cores e a preto e branco, de ficções e documentários, apenas finlandeses; planos de quadros, de várias épocas e de vários autores mas que parecem (e isto é extraordinário) todos feitos pelo mesmo pintor (como se os pintores de Helsínquia só pudessem pintar uma coisa); vozes off, em finlandês, de homens e de mulheres, a recitarem poemas finlandeses. Em 75 minutos, um retrato espantoso, profundamente comovente, de Helsínquia, "cidade onde todos são mais solitários do que cães" (os filmes de Kaurismaki não falam senão deste verso...), ao longo de cem anos, do tempo do Império Russo ao tempo do Império da Nokia. Que as cidades são "organismos vivos" é um cliché; que se adicione ao "organismo vivo" uma alma, que se a defina e isole e caracterize, e se conte a história de uma cidade como se essa história fosse a história dessa alma, unificando a geografia física e a geografia humana, isso, bom, não é um cliché. Especificidades à parte (não apenas cinema/literatura, mas o tipo de cinema de Helsinki Ikuisesti), e mau grado von Bagh não se "pôr lá" da mesma maneira que Pamuk se "põe lá", lembrei-me de Istambul - uma cidade onde nunca pusemos os pés a entranhar-se lentamente até que tratemos as suas esquinas por tu. Helsínquia forever, com certeza.

Não tem estritamente a ver com Helsínquia, mas no filme de von Bagh há uma sequência de quatro planos que marca com exactidão a que ponto o mundo mudou e se desvaneceu o lugar que o cinema nele ocupava. Um Zeppelin cruza os céus de Helsínquia, coisa suficientemente rara para que os helsinquianos (inventei agora) venham para a rua segui-lo com os passos e com os olhos. Mas o Zeppelin rivaliza com outra maquineta extraordinária: a câmara que filma aquelas cenas. Metade dos helsinquianos olha para o céu, e a outra metade olha para a câmara. O Zeppelin e o cinema: era mais ou menos a mesma coisa, não é verdade?

Friday, August 28, 2009

Duas coisas que me aborrecem um bocado (sem relação nenhuma uma com a outra)

1) Confesso que me aborrece um bocado a insistência na “adolescência” de Tarantino. Até aborrece mais nos textos a defender Inglourious Basterds (julgo que acertei na grafia) do que nos que o atacam (porque nestes é um argumento como qualquer outro, enquanto naqueles se transforma numa espécie de condescendência). Não me parece que haja um pingo de adolescência em todo o filme, bem pelo contrário. Acho até – como em Deathproof – que é um filme feito contra as expectativas de (e da) adolescência. Para já, a euforia é rara, a “acção” mais ainda, e a festa é nenhuma – são “conversation pieces” sobre “conversation pieces”. E depois, as cenas com mortes e sofrimento físico são o oposto de uma lógica de “shoot ‘em up”, os corpos não desaparecem no ar, e há um jeito especial para fazer sentir que cada tortura tem por objecto um corpo humano que para o espectador é sempre, psicologicamente, real. Para mim, um dos golpes de génio do filme está em fazer dos torturadores os Basterds, os “heróis”, e as vítimas os nazis. As cenas dos escalpes (que têm imeeeeeenso que se lhes diga no sentido em que remetem para um universo de western e sobretudo para uma América, a dos índios, chacinada em massa) e aquela “body art” (“I think this could be my masterpiece”…) das suásticas nas testas provocam o mesmo desconforto que provocava a “cena da orelha” nos Reservoir Dogs, e aliás os Basterds são basicamente um grupo de primos do Mr Blue com licença oficial para torturar (Abu Ghrayeb anyone?) – ora que Tarantino baralhe assim o maniqueísmo (“nazis got no humanity”) não só não me parece nada “adolescente” como imagino que crie alguns curto-circuitos na cabeça de espectadores com esperanças, digamos e sem ofensa, adolescentes.

(Ainda não revi o filme, coisa que tenciono fazer em breve – no único visionamento que fiz fiquei com a ideia de ser um daqueles filmes inesgotáveis)
2) Outra coisa que me aborrece um bocado são as vírgulas mal colocadas. Gosto muito de gralhas, sobretudo daquelas que alteram o sentido das palavras ou das frases, das que aparecem por desatenção ou conduzidas por forças superiores que apenas Freud explicaria. Nunca me ouvirão a censurar gralhas. Agora, vírgulas mal colocadas não suporto. São como as fífias de um baixista, as pedras mal colocadas na calçada que nos fazem tropeçar, os árbitros que apitam qualquer encostozinho a meio-campo. Fazem-nos reparar em coisas em que não precisamos de reparar porque nos basta saber e sentir que estão lá. A função delas é essa. Mais do que isto é exagero e impertinência. Interrompem e incomodam. Não tenho lido muitos blogs, mas dei-me conta de que corria aí um movimento anti-ponto de exclamação. Não percebi bem o motivo, parecem-me de existência tão rara os pontos de exclamação. E acredito que os pontos de exclamação, pelo menos em parte, são um problema levantado pela má colocação de vírgulas. Exemplifico. Há bocado comprei um livrito, tradução portuguesa de um original noutra língua e, todo contente, comecei a lê-lo mal cheguei a casa. Ao fim da primeira página já tinha dado por três vírgulas mal colocadas. Perante a expectativa de este ritmo se manter pelas restantes cento e tal páginas, tive um momento de desânimo, saiu-se-me um “porra!” e encostei o livro, em que ainda não voltei a pegar. Vim escrever posts como parte do processo de mentalização para voltar à leitura. Mas portanto, e era aqui que queria chegar, não percamos tempo a vilipendiar o ponto de exclamação: combatamos a vírgula mal colocada e o ponto de exclamação torna-se mais raro ainda do que o que já é.
(isto antes de estar escrito tinha alguma graça; mas eu sei, eu sei: estou a precisar de férias)

Monday, July 27, 2009

Never apologize, it's a sign of weakness

O facto lamentável da semana passada foram, na verdade, dois factos lamentáveis. Primeiro, nas caixas de comentários do Ipsilon, o regresso da turba. O João Bonifácio não gostou dos Killers no Restelo e a multidão caiu-lhe em cima. A parvoíce do costume - "pseudo-intelectuais" para aqui, "pseudo-jornalistas" para ali, e num dos comentários que li, escrito por alguém menos hábil no manuseio do cliché pré-fabricado, um conceito novo, que abre para todo um território poeticamente riquíssimo: "pseudo-frustrado". Todo o bolo (duzentos e tal comentários, por amor de Deus!) já era ridículo, mas como o JB tinha decidido enfeitar a prosa com umas referências ao ambiente futebolístico quase "zen" do estádio do Restelo os "hooligans" do Belenenses decidiram entrar na festa e associar-se aos ofendidos adolescentes fãs dos Killers num grande urro comunitário a exigar a "retratação" (acho que eles não diziam isto, é uma palavra um bocado "pseudo-intelectual") do JB, quando não mesmo a sua imediata demissão. E eis que a direcção do Belenenses, com uma garra na "defesa do bom nome do clube" que se fosse aplicada nos relvados dispensaria as decisões de secretaria para manter o clube na I Liga, vem pôr a sua ridícula - ridiculíssima - cereja no topo de tão ridículo bolo, escrevendo uma carta, essa sim, ofensiva, à direcção do jornal, a exigir desculpas públicas. E, segundo facto lamentável, obteve-as, em editorial, que não fazia uma única menção aos modos ordinários com que a tal carta se referia a uma pessoa que o Público enviou, publicou e pagou para fazer a reportagem do dito concerto. O Público é o meu jornal, como leitor e como colaborador. E foi como leitor ("ofender" muçulmanos está bem, "ofender" o Belenenses é que não?) e como colaborador (bonita lição de solidariedade) que fiquei zangado.

Passo por cima de quão "surrealistas" me parecem os "delitos" (no sentido soviético do termo) do texto do João Bonifácio. Sou amigo pessoal dele, confio em absoluto no seu instinto musical (e também não acho gracinha nenhuma aos Killers), mas o que é preocupante nisto não tem a ver nem com a amizade nem com a confiança.

Nem é novo, é apenas mais um sinal. Eu acredito - ideia hoje porventura desajustada da realidade - que os jornais também se impõem aos leitores, e que é por isso que o Público é diferente do 24 Horas e o Guardian do News of the World. Meus amigos, isto é assim, e se não gostam comprem outra coisa - "if it's not for you, it's not for you", lema de um festival de cinema argentino que desde há umas semanas pilhei para epígrafe deste blog. O "online" lima este atrito: as pessoas não vão ao jornal, vão directamente (via Google ou outra coisa qualquer) ao artigo com o tema que lhes interessa. E correm o risco de encontrar um artigo que "não é para elas" - como aquele artigo que obviamente não foi feito a pensar nos fãs dos Killers (e por que raio teria que ser? porque os fãs dos Killers são muitos?). Depois ficam ofendidas, manifestam-se, fazem ruído, exigem que o jornal seja "para elas". E os jornais, coitados (é a crise), ficam a pensar nisso. Em tempos de penúria ser "para todos" é uma grande tentação. A consequência previsível (que já é uma tendência) é simples: abolição do espaço para crítica nos jornais, especialmente nas áreas que provocam maior dissensão, as que tocam em cheio na cultura de massas publicitariamente matraqueada pela maior parte das televisões e das radios (ou seja, o cinema e a música dita "pop"). As outras irão por arrasto. O Público, felizmente, é uma excepção nesta tendência. Oxalá continue a sê-lo, independentemente de eu escrever lá ou não (that's not the point).
Se os jornais acham que se vão safar assim, colando-se ao rumor geral, reproduzindo as verdades feitas pela publicidade, trocando textos idiossincráticos (mas sempre potencialmente "ofensivos", porque há sempre alguém para ficar "ofendido" com as coisas mais inacreditáveis) por textos neutros escritos por autómatos, é lá com eles, que devem gastar fortunas em estudos de imagem e marketing. Mas se o futuro é isto, jornais limpos de conflito, de contraditório, de vozes minoritárias ou mesmo solitárias, confortavelmente plasmados na paisagem, eh pá, então mais vale acabarem já. É que não precisamos disso para nada, e mais vale ir inventando outra coisa, de preferência que envolva menos dinheiro.

Thursday, July 16, 2009

Uma tradição (não precisamos de dinamite quando temos película)

"Põem-me ao lado de Abbas Kiarostami quando considero que estou muito mais próximo de Quentin Tarantino. Sinto-me verdadeiramente ligado a essa tradição cujo último representante, ou o mais visível, é Tarantino".

(Pedro Costa, no número dos Cahiers du Cinéma espanhóis a ele dedicado)

"- Em Deathproof simulava riscos na película, saltos na imagem, uma bobina em falta. Mas vai mais longe em Inglorious Basterds, fazendo da inflamabilidade da película de nitrato a arma de um atentado antinazi (...).
- (...) Acho a ideia do nitrato muito rica. Por um lado é uma metáfora frutuosa do poder do cinema, e por outro não é uma metáfora, é literal: não precisamos de dinamite quando temos película de nitrato. Literal e metafórico - é formidável. Quando escrevia [o argumento] perguntava-me quais os filmes mais adequados para provocar o incêndio (...): ou O Judeu Suss - a criação monstruosa de Goebbels causaria a sua própria perda - ou a primeira bobina da Grande Ilusão, papá Jean a destruir os nazis (...)".
(Pergunta a, e resposta de, Quentin Tarantino, em entrevista aos Cahiers du Cinéma franceses)