Thursday, May 31, 2012

E foi assim que a ideologia da avaliação, que estabelece rankings e quantifica índices de felicidade, se tronou a verdadeira teologia do nosso tempo – uma teologia jansenista, de um Deus absconditus.

Wednesday, May 23, 2012

To wait for a cloud

- And the cloud in Red River, was it intentional or accidental?


- We saw it coming just as Wayne began reading the prayer over the grave. We told him to hurry his reading so that we could catch it at the right moment. This was a case of seizing an opportunity as it presented itself. I don’t think we would have held up the scene to wait for a cloud.

Nas nuvens

Eu gostei de Histórias de Caçadeira, mas Take Shelter deixa-me de pé atrás a partir do primeiro plano com o céu carregado de nuvens de tempestade. São nuvens falsas – muito bem desenhadas ao computador, mas falsas.

Cruzámos a última fronteira. Durante décadas, o céu era o único elemento absolutamente incontrolável. Os filtros e a iluminação podiam tornar a noite em dia e o dia em noite; aparelhos de aspersão podiam fazer chover num dia de sol, e talvez, com um pouco de engenho, fosse possível enganar a presença da chuva quando o que se queria era um dia de sol (ou pelo menos, um dia seco). Mas não se fazia mise en scène das nuvens. Pelo que quando as nuvens se tornavam elemento dramático isso era de facto espantoso (cf. Red River e aquela cena para a qual Bogdanovich bem tentou arrancar de Hawks uma explicação – que provavelmente não havia: apenas sorte, e a sabedoria necessária para perceber a sorte que tinha).

Agora é fácil ter-se as nuvens que se quer. Mas deixaram de ser uma presença da natureza para serem uma assinatura da tecnologia. Não é a mesma coisa. Aliás, é exactamente o seu contrário.

Imagino Vidor ou Ford a olharem para as nuvens de Take Shelter: se é fácil, what’s the point? Problema genérico do digital: torna fácil o que ganhava sentido por ser difícil, e que por ser difícil era especial. Teoria: quanto mais fácil for fazer filmes, mais difícil será fazê-los especiais. Mas é aí que já estamos.

Tuesday, May 22, 2012

O sistema Scott

Por puro acaso derivado de um arremedo de pesquisa para o post anterior, fui dar com esta entrevista de Ridley Scott. O que me impressionou foi isto: nunca tinha visto um cineasta explicar tão convictamente as razões que o levam a fazer apenas filmes que não prestam para nada. Voilá um excerto:

Je suis très critique envers moi-même et me pose toujours cette question : Le spectateur comprend-il ce que je veux lui raconter ? Si oui, OK, sinon trouvons une solution ! La remise en cause est importante pour un artiste d’autant plus s’il est censé s’adresser à beaucoup de monde. La clarté, la clarté et toujours la clarté ! C’est mon moteur. Je ne cherche pas à séduire, mais à intéresser. L’un des avantages des films à gros budget est leur retentissement. Voilà pourquoi je ne fais pas de documentaires, car ils concernent un nombre plus restreint de spectateurs.

Portanto, e primeiro, um problema estético: sem sombra que lhe dê sentido - obscurité oh ma lumière! - a "clarté" é nada. (Para além de que se os antigos, aqueles que viram nascer o cinema, lhe chamaram "a arte das sombras"e não "a arte da claridade", alguma razão teriam para tal).
 
Depois, um problema ético: para Scott - "le spectateur comprend-il?" - o espectador é um idiota.

O sistema Moullet

Em Le Système Moullet, os entrevistadores lembram a Luc Moullet a sua célebre resposta ao monumental questionário endereçado pelo Libération, em 1984 (salvo erro), a centenas de cineastas do mundo inteiro: "pourquoi filmez vous?". Entre as respostas brilhava a insolência da de Moullet: "pour gagner beacoup d'argent, pour me taper beaucoup de nanas et pour faire des belles voyages". Como é óbvio, ninguém que conhecesse Moullet acreditava por um segundo na sinceridade da resposta. E por isso, trinta e tal anos depois, Burdeau, Narboni e Labarthe aproveitam para lhe perguntar o que raio foi aquilo. E Moullet, tentando contrariar o sorriso de malícía juvenil que lhe traia a mine de Buster Keaton que mantinha desde o princípio da conversa, responde: "para ganhar, porque quando se responde a questionários desses só faz sentido responder para ganhar, e eu ganhei esse questionário, não há dúvida". Aproveitando o delay que esta tirada - como outras antes - provocou no trio de entrevistadores, Moullet continua: "foi uma boa resposta, mas para ser genial não devia ter sido eu a dá-la, antes alguém como Bresson ou Straub; cheguei a telefonar a Robert e propor-lhe que respondesse isto, mas acho que ele levou um bocado a mal".

Sim, isso é que teria sido verdadeiramente genial, Moullet tem toda a razão. E a moral da história é simples: não são as coisas que se dizem que são importantes, é o facto de elas serem ditas por quem as diz. Um mais um, como já tinha dito o velho JLG, que de resto disse e continua a dizer (ver clip do post abaixo) tudo o que há a dizer sobre praticamente tudo o que vale a pena ser dito, independentemente de ser ele a dizê-lo.

Ou assim. Em todo o caso, não estou no melhor da minha forma.