Monday, July 27, 2009

Never apologize, it's a sign of weakness

O facto lamentável da semana passada foram, na verdade, dois factos lamentáveis. Primeiro, nas caixas de comentários do Ipsilon, o regresso da turba. O João Bonifácio não gostou dos Killers no Restelo e a multidão caiu-lhe em cima. A parvoíce do costume - "pseudo-intelectuais" para aqui, "pseudo-jornalistas" para ali, e num dos comentários que li, escrito por alguém menos hábil no manuseio do cliché pré-fabricado, um conceito novo, que abre para todo um território poeticamente riquíssimo: "pseudo-frustrado". Todo o bolo (duzentos e tal comentários, por amor de Deus!) já era ridículo, mas como o JB tinha decidido enfeitar a prosa com umas referências ao ambiente futebolístico quase "zen" do estádio do Restelo os "hooligans" do Belenenses decidiram entrar na festa e associar-se aos ofendidos adolescentes fãs dos Killers num grande urro comunitário a exigar a "retratação" (acho que eles não diziam isto, é uma palavra um bocado "pseudo-intelectual") do JB, quando não mesmo a sua imediata demissão. E eis que a direcção do Belenenses, com uma garra na "defesa do bom nome do clube" que se fosse aplicada nos relvados dispensaria as decisões de secretaria para manter o clube na I Liga, vem pôr a sua ridícula - ridiculíssima - cereja no topo de tão ridículo bolo, escrevendo uma carta, essa sim, ofensiva, à direcção do jornal, a exigir desculpas públicas. E, segundo facto lamentável, obteve-as, em editorial, que não fazia uma única menção aos modos ordinários com que a tal carta se referia a uma pessoa que o Público enviou, publicou e pagou para fazer a reportagem do dito concerto. O Público é o meu jornal, como leitor e como colaborador. E foi como leitor ("ofender" muçulmanos está bem, "ofender" o Belenenses é que não?) e como colaborador (bonita lição de solidariedade) que fiquei zangado.

Passo por cima de quão "surrealistas" me parecem os "delitos" (no sentido soviético do termo) do texto do João Bonifácio. Sou amigo pessoal dele, confio em absoluto no seu instinto musical (e também não acho gracinha nenhuma aos Killers), mas o que é preocupante nisto não tem a ver nem com a amizade nem com a confiança.

Nem é novo, é apenas mais um sinal. Eu acredito - ideia hoje porventura desajustada da realidade - que os jornais também se impõem aos leitores, e que é por isso que o Público é diferente do 24 Horas e o Guardian do News of the World. Meus amigos, isto é assim, e se não gostam comprem outra coisa - "if it's not for you, it's not for you", lema de um festival de cinema argentino que desde há umas semanas pilhei para epígrafe deste blog. O "online" lima este atrito: as pessoas não vão ao jornal, vão directamente (via Google ou outra coisa qualquer) ao artigo com o tema que lhes interessa. E correm o risco de encontrar um artigo que "não é para elas" - como aquele artigo que obviamente não foi feito a pensar nos fãs dos Killers (e por que raio teria que ser? porque os fãs dos Killers são muitos?). Depois ficam ofendidas, manifestam-se, fazem ruído, exigem que o jornal seja "para elas". E os jornais, coitados (é a crise), ficam a pensar nisso. Em tempos de penúria ser "para todos" é uma grande tentação. A consequência previsível (que já é uma tendência) é simples: abolição do espaço para crítica nos jornais, especialmente nas áreas que provocam maior dissensão, as que tocam em cheio na cultura de massas publicitariamente matraqueada pela maior parte das televisões e das radios (ou seja, o cinema e a música dita "pop"). As outras irão por arrasto. O Público, felizmente, é uma excepção nesta tendência. Oxalá continue a sê-lo, independentemente de eu escrever lá ou não (that's not the point).
Se os jornais acham que se vão safar assim, colando-se ao rumor geral, reproduzindo as verdades feitas pela publicidade, trocando textos idiossincráticos (mas sempre potencialmente "ofensivos", porque há sempre alguém para ficar "ofendido" com as coisas mais inacreditáveis) por textos neutros escritos por autómatos, é lá com eles, que devem gastar fortunas em estudos de imagem e marketing. Mas se o futuro é isto, jornais limpos de conflito, de contraditório, de vozes minoritárias ou mesmo solitárias, confortavelmente plasmados na paisagem, eh pá, então mais vale acabarem já. É que não precisamos disso para nada, e mais vale ir inventando outra coisa, de preferência que envolva menos dinheiro.

Thursday, July 16, 2009

Uma tradição (não precisamos de dinamite quando temos película)

"Põem-me ao lado de Abbas Kiarostami quando considero que estou muito mais próximo de Quentin Tarantino. Sinto-me verdadeiramente ligado a essa tradição cujo último representante, ou o mais visível, é Tarantino".

(Pedro Costa, no número dos Cahiers du Cinéma espanhóis a ele dedicado)

"- Em Deathproof simulava riscos na película, saltos na imagem, uma bobina em falta. Mas vai mais longe em Inglorious Basterds, fazendo da inflamabilidade da película de nitrato a arma de um atentado antinazi (...).
- (...) Acho a ideia do nitrato muito rica. Por um lado é uma metáfora frutuosa do poder do cinema, e por outro não é uma metáfora, é literal: não precisamos de dinamite quando temos película de nitrato. Literal e metafórico - é formidável. Quando escrevia [o argumento] perguntava-me quais os filmes mais adequados para provocar o incêndio (...): ou O Judeu Suss - a criação monstruosa de Goebbels causaria a sua própria perda - ou a primeira bobina da Grande Ilusão, papá Jean a destruir os nazis (...)".
(Pergunta a, e resposta de, Quentin Tarantino, em entrevista aos Cahiers du Cinéma franceses)