Thursday, September 13, 2007

Os tempos

Numa entrevista recente Alain Resnais falava longamente do seu interesse em séries de televisão – CSI, os Sopranos, 24, enfim, todas as que fazem a ordem do dia (excluindo, curiosamente, Lost, que por alguma razão dizia ter “evitado”). Eu tenho apenas uma vaga (e diferida) ideia do que é que ele está a falar – sou péssimo espectador de séries, por uma razão que Resnais também foca: a “disponibilidade”. Incomoda-me, na ideia de “acompanhar uma série”, a necessidade de ter que fazer uma marca na agenda, e de saber que às tantas horas do dia tal tenho que estar em frente à TV (isto presumindo que os horários são cumpridos pelas estações). Mas há ainda outra coisa que, sem ser com certeza uma lei universal, julgo partilhável com outras pessoas que sejam “espectadoras de cinema” antes de serem “espectadoras de televisão”: a pouca paciência para um regime de visionamento “às pinguinhas”, uma hora agora, outra daqui a oito dias. Um cinéfilo gosta da duração, sabe que é o tempo que dá corpo ao que está a ver. Mas, dir-me-ão, há os compactos em DVD, que permitem que se veja tudo de seguida, não sei quantas horas de enfiada. Pois há, mas 1) mea culpa, mas no momento de comprar um DVD até agora tenho preferido aplicar o dinheiro em Langs ou em Sternbergs, por maior que seja a curiosidade de espreitar um CSI; e 2) culpa alheia atribuível à própria natureza das séries, é ilusória a ideia de que amontoar seis ou sete episódios lhes cria outra duração: podemos multiplicar o “tempo da experiência” mas não o tempo intrínseco aos objectos (assim como se cortarmos às fatias um Rivette, um Bela Tarr ou um Syberberg estamos apenas a manipular o tempo do espectador, não o dos filmes, e nesse passo a destruir completamente a percepção do objecto).


(o texto deste post, com alguns meses, era a introdução a um post maior e um bocado megalómano de que entretanto desisti, mas de que subsistiram alguns pedaços eventualmente aproveitáveis)

Thursday, September 06, 2007

Cacofonia

Há uns anos, bastantes anos mas não assim tantos, a hora do telejornal gerava um curioso efeito. Em casas como as em que vivia ou passava boa parte do ano (em Lisboa ou em Tomar), situadas em ruas pequenas cujas traseiras formavam uma espécie de pátio rear window-ish, as oito da noite traziam uma reverberação singularmente harmónica: o ar enchia-se do som de dezenas de televisores, todos sintonizados no mesmo programa, na mesma voz, nas mesmas palavras. Era uma sensação extremamente reconfortante. Estávamos todos a ver o mesmo, era como se todo um bairro partilhasse as mesmas inquietações, as mesmas angústias, a mesma experiência das coisas. Todos - os filhos da porteira como os filhos do doutor (e isto foi de certeza uma das razões por que precisei de chegar a adulto para ter uma noção do que eram e do que importavam as origens de classe). A essa hora, pelo menos, os problemas e as alegrias eram os problemas e as alegrias de todos. A proximidade era fácil, a comunidade uma coisa simples.

Hoje? Hoje em cada casa se vê um telejornal diferente. Cada um virado para seu lado. E pelas janelas, em vez de harmonia, vem cacofonia.

(advertência ao leitor: isto não é um post saudosista da RTP única; isto não é sequer um post sobre televisão)

Wednesday, September 05, 2007

Action painting
















Embora Beat the Devil, o melhor filme de John Huston digo eu (Bogart odiava: "only phonies like it"; é uma honra ser insultado por Bogart), me faça pensar que talvez Huston tenha tentado saltar do seu tempo e do seu lugar e fazer qualquer coisa, por exemplo e por que não?, à Pollock.


(A foto, obviamente, não é esclarecedora; com filmes, nenhuma foto é)

Tuesday, September 04, 2007

Arte & mezinhas

Caso este inquérito, nas voltas e contravoltas que por certo se seguirão, tenha a ideia de me vir bater à porta, aviso já que é inútil. A lista seria infindável. Mais, seria integral. Nunca um livro, nem um disco, nem um filme, mudou a minha vida. Não que não o desejasse, não que não o tenha pedido (mais a livros e a discos do que a filmes, curiosamente). Mudas invocações de mudança: “agora, muda a minha vida”, “muda-me”, “muda o mundo à minha volta”, três variantes do mesmo desejo. Mas a mudança não acontece a pedido.

Nem se encomenda na Amazon. O que nos muda, e o que nos muda a vida, são as outras pessoas, e são as coisas. O que escolhemos e o que alguém (o acaso, certamente) escolhe por nós. Os livros – e o resto – existem para nos ajudar a perceber. Mais: são aquilo que permanece depois de tudo ter mudado. Já não é mau. Mas ir além disso é confundir a arte e as mezinhas.

(Dito isto, correria para o livro que fizesse de mim um adulto. Ainda nenhum foi capaz disso, e já tentei quase todos aqueles de que vocês falam.)