Saturday, May 23, 2009

Dezasseis anos

Devem-se estar a cumprir, por estes dias, dezasseis anos sobre a primeira vez em que entrei no gabinete do Dr. João Bénard da Costa. Foi há tanto tempo, praticamente todo o tempo da minha vida adulta, e no entanto parece que foi ontem. Durante estes dezasseis anos parecia sempre que tinha sido ontem, porque lembrava tudo e nunca esqueci nada. Lembro-me de tudo e não me esqueci de nada destes dezasseis anos. Não sei se ele se dava conta disto.

Havia muitas coisas que lhe queria ter dito, e isso não me angustiava porque achava sempre que chegaria o momento para as dizer. Se anteontem, ontem, hoje, os olhos se me humedeceram, nunca se humedeceram mais do que quando dei por mim a fantasiar com a despedida que não houve, o abraço que não aconteceu, as coisas que não lhe cheguei a dizer. Ou cheguei – porque anteontem, ontem, hoje, as disse com tanta força que é impossível que ele não as tenha ouvido. A morte não pode tudo.

Não são coisas que se digam num blogue, à vista de toda a gente. À vista de toda a gente quero só agradecer-lhe, ao Dr.Bénard como nunca ousei deixar de o tratar, por estes dezasseis anos, pela honra e pelo privilégio que foram estes dezasseis anos.

E deixar-lhe uma promessa. We’ll keep the films spinning. Foi o que nos ensinou fazer, é tudo o que queremos fazer. We haven’t moved. Lembramo-nos de tudo, não nos esquecemos de nada.

Tuesday, May 19, 2009

33 mais coisa menos coisa (e Keats, Caeiro, João de Deus, Camões)

Já não consigo garantir, até porque eu e os Coen, enfim (Rogério, diz-me que meter conversa comigo a propósito dos Coen foi uma provocaçãozinha, please) . Mas julgo que não está, e que não há-de ser só uma questão de memória selectiva. Se bem sei, a versão distribuida nas salas perdeu um episódio e ganhou outro em relação à originalmente estreada em Cannes. O perdido seria o dos Coen, o ganho o do Lynch. Mas por que é que isto se passa assim não sei explicar.

Em relação aos poemas: lembrei-me de um western (um western gelado e cheio de neve, mais um northern na verdade) de William Wellman, Track of the Cat, com um Robert Mitchum mais angustiado do que nunca. Há uma cena em que ele começa a ler um poema e depois, como que para disfarçar a perturbação, atira o livro para uma fogueira. Não me lembrava do poema, mas não há (quase) nada que o Google não resolva em minutos: é When I Have Fears That I May Cease to Be, de Keats.

No último Oliveira, as Singularidades de uma Rapariga Loura, ouve-se um canto do Guardador de Rebanhos; e em Aquele Querido Mês de Agosto um poema de João de Deus (Mãe, chama-se assim?) logo ao princípio, em off; mais tarde há uma cena de "barbecue" em que, no segundo plano visual e sonoro, se ouve uma personagem a dizer a primeira estrofe dos Lusíadas.

Sunday, May 17, 2009

O que é a cinefilia? Tudo. Nada. Uma razão (não mais idiota que outra qualquer) para viver. Uma paixão pobre, adolescente, post-adolescente, um existencialismo garoto, uma oscarização wildiana e selvagem. Uma condenação a não amar senão o cinema.


(Excerto de uma carta enviada por um leitor a Louis Skorecki, publicada no posfácio de Les Violons ont Toujours Raison).

Saturday, May 16, 2009

(Contra) a "nova cinefilia"

Acho muito bem que "a nova cinefilia" (quoi qu'elle soit) veja "a nouvelle vague e a série B", o Rossellini e os zombies do Romero. Não lhe faz mal nenhum, antes pelo contrário. Espero que veja ainda muitas mais coisas para além destas, ou, sendo "nova", de "cinefilia" terá pouco.
Já percebo mal é que este ersatz de ecletismo seja apresentado como factor de distinção entre uma "nova" e uma "velha" cinefilia. Então, por amor de Deus, o À Bout de Souffle não era dedicado à Monogram? O Edgar Ulmer, o Budd Boetticher, o Allan Dwan, não estiveram entre as principais causas da cinefilia dita "velha"? Não foi a acção crítica dessa "velha" cinefilia um combate pela legitimação dos filmes para além (muito para além) do seus valores culturais superficiais e imediatos? E tudo isto para que agora se venha creditar à "nova cinefilia" a coexistência de Rossellini e Romero?
Parece-me bem a prova de que a cinefilia, tout court, que nunca teve a ver com simplesmente "gostar de filmes", está morta e enterrada.
(E depois há esta ideia de que a cinefilia é uma espécie de festa, uma coisa divertida, um carnaval diletante; não é, nunca foi; antes, uma obsessão, uma doença mental e civilizacional, triste como a noite e os cemitérios; muito bem retratada nos Cinéphiles I, II e III de Skorecki, três filmes, aliás, bem mais parecidos com os filmes de zombies de Romero do que com Rossellini)