Friday, June 30, 2006

Era uma vez um melro cantor (post em chinês)




















Gosto do pessimismo de Iosseliani. O bolchevismo era horrível? A perestroika foi le bordel. O comunismo era sinistro? O capitalismo é o deserto. Quando se vivia na URSS sonhava-se com o paraíso Ocidental? Vem-se a descobrir que tudo se assemelha nesta terra.

Resta o quê? Vinho e música. Toda a metafísica que vale a pena se condensa num copo e numa canção. Era uma Vez um Melro Cantor ainda não diz isso: estava-se em 1970, era Brejnev. É só o relato da vida atravancada. Mas tende para a mesma conclusão, sobretudo se o estivermos a ver em 2006.

Na Finlândia do milagre da Nokia Kaurismaki chegou mais ou menos ao mesmo ponto. O estilo é diferente, a metafísica é quase igual.

Tuesday, June 20, 2006

O acto de ver com os próprios olhos














The Act of Seeing With One's Own Eyes é um filme de Stan Brakhage. Só há pouco tempo percebi que "o acto de ver com os próprios olhos" é o que, na raiz grega, significa a palavra "autópsia". Apesar de tudo, o conhecimento ou desconhecimento desse significado não altera muito a experiência do filme nem o que dele se entende. É uma descrição - digo "descrição" porque importa usar uma palavra fria - de uma sala de autópsias. Cadáveres, bisturis, entranhas, carne morta, carne morta, carne morta. O processo, apesar de tudo, é rápido: em questão de minutos habituamo-nos, nada é mais do que matéria prestes a decompor-se, nenhuma espiritualidade envolvida, mesmo a carne deixa de ser associada à forma dos corpos. Visto (como eu o vi) no contexto de um ciclo de "Cinema e Pintura", é impossível não pensar que o filme de Brakhage é feito contra a pintura, numa espécie de reverso da tradição pictórica ocidental e cristã, como se dissesse que essa tradição existiu precisamente para ocultar o corpo de Cristo morto e para mostrar uma versão aceitável daquilo para que nos era insuportável olhar. Não obstante, não anda muito longe do efeito que o Cristo de Holbein provocou em Dostoievski.