Thursday, February 04, 2010

Fuga para a vitória

O lado esteticamente demissionário de Invictus intriga-me mais do que o que me chega a incomodar. Evidentemente, é inútil procurar justificações na estranheza daquele mundo (Mandela, a África do Sul, o rugby) dentro do cinema de Clint. Porque se reduzirmos a coisa a arquétipos a estranheza dissipa-se: Mandela como garante do equilíbrio precário entre a lei (e a ordem) e uma anarquia cuja sombra se mantém iminente, num país, para todos os efeitos, "novo". (Que Clint pensou no "western" diz-nos aquele plano paisagistíco - um baldio suburbano - ainda no princípio, um plano totalmente dominado por linhas horizontais, aproximável dos planos de abertura do Unforgiven, por exemplo. E o primeiro encontro, bastante divertido, entre os guarda-costas negros e os guarda-costas brancos tem a tensão "nonchalante" de um encontro entre bandos de pistoleiros rivais forçados a trabalhar em conjunto. Ou a intervenção de Mandela na reunião do Conselho Desportivo). Autoridade moral e autoridade simbólica, com o rugby a fazer figura de "objecto" que importa proteger de qualquer tipo de corrupção. Tudo isto é perfeitamente eastwoodiano, se não dermos muita importância ao desenho das bandeiras.
Porque é que que Clint deixa que a modorra se instale, acompanhada de uma meia-dúzia de apartes convencionalíssimos? Sei lá. Talvez falte confronto, talvez falte uma definição -uma imagem - clara daquilo a que a(s) personagem(ns) se opôe(m). Sendo um filme pós-conflito, talvez falte o momento em que se escolhe um lado (que quando o filme começa já está, digamos, pré-escolhido), o momento da tomada de consciência que é fundamental em tantos Clints (a "conversão" da personagem de Matt Damon não é bem isso). Se, o desporto como metáfora, fazer um filme sobre Mandela é um bocado como fazer um filme sobre um árbitro, não espanta que todo o conflito seja transferido para os jogos de rugby entre a África do Sul e as equipas que se lhe atravessam ao caminho, e para a adesão dos negros à equipa de rugby do seu país. Mas ainda aqui, não está já tudo escolhido e decidido desde o princípio?
Claro: Mandela é uma figura admirável e o povo sul-africano (os pretos e os brancos, mais os de outras cores que por lá andem), visto através do filme, não é menos admirável. O panegírico é um modelo tão estimável como qualquer outro. Mas há décadas que se deixou de saber fazê-los bem. E a Clint - que não é o "último dos clássicos" coisa nenhuma, antes o "primeiro dos pós-clássicos" - está visto que não passaram o segredo (a culpa não é dele, é só que os segredos de "factura" da Hollywood clássica enterraram-se com ela). Resta a consolação de ser bem melhor do que o "sports film" do seu herói pessoal, John Huston (Fuga para a Vitória).
Não menos claro: apesar de parecer uma bande-annonce para o Mundial de Futebol 2010, e de o seu optimismo estar completamente fora de moda, a sobriedade de Invictus é infinitamente mais séria do que muita tralha "radical" (pueril) e "autorística" (de imitação) que anda a ser vendida como obra-prima. But don't get me started on that.
Pormenor de capital importância: 2 ou 3 estrelas? Duas fazem jus ao lugar do filme na obra de Clint. Só três prestam justiça ao seu lugar ao pé da tralha. Afortunadamente, tenho uns dias para decidir.