Saturday, December 22, 2007

Tops (a pedido do Ricardo)

Um amigo ligeiramente obcecado por listas, mas que não vou nomear nem sequer dizer que tem um blog (chamado Devaneios), insiste que quer ver os meus "tops". Faço-lhe a vontade.

Os meus filmes preferidos (conto apenas estreias comerciais, que é só uma fatia, cada vez mais fina, do bolo todo) foram, por ordem alfabética, estes:

Belle Toujours
Cartas de Iwo Jima
Control
Deathproof
Honra de Cavalaria
Inland Empire
Lady Chatterley
Luzes do Crepúsculo
Paranoid Park
Promessas Perigosas

Still Life
e tenho a certeza de que me falta aqui um, que acrescentarei quando me lembrar. De qualquer modo é injusto: fora um trio que para mim faz o mais entusiasmante de 2007 (digamos: Cartas de Iwo Jima, Deathproof e Still Life), há para aí um grupo de 20 filmes de que gosto bastante e cuja memória reterei. Entre eles está o Capacete Dourado, de que gostei mais do que, pelo que me disseram, se percebeu na altura.

Gosto sempre de escolher "o melhor filme menor do ano" (que tem que ser americano e não se fazer anunciar nem pelas trompetas publicitárias nem pela evidência de um nome de autor - ou seja, um filme à antiga americana). Este ano escolho Breach (título português não me recordo), de Billy Ray.

Quanto a livros, do caos que é a minha disciplina de leitura, sempre digo que Jill, de Philip Larkin, foi o romance que mais gostei de ler, e Cinco Dias em Londres, de John Lukacs, (Churchill aguenta-se-não-se-aguenta durante Maio de 40), o livro de história que mais me entusiasmou (tenho agora ali O Muro de Berlim a olhar para mim). Poesia, uma pequena edição só com a Love Song of J. Alfred Prufrock que devo ter lido no dia 1 ou 2 de Janeiro, e de que por alguma razão me lembrei em todos os dias do resto do ano. Do melhor livro de cinema que li este ano já falei várias vezes, nem o menciono (se são não sei quê "meus leitores" têm obrigação de saber).

Gostei muito do Chekhov na Cornucópia mas há anos que não ia tão pouco ao teatro (apesar dos gentis convites que me são assiduamente endereçados por uma das melhores companhias teatrais lisboetas).

Discos - comprei muitos. Mas no fundo no fundo só ouvi o Boxer e o Callahan. Com a idade, torno-me chato e previsível.

Saturday, December 15, 2007

Steadycam

Não há instrumento mais idiota do que o steadycam. Ou por outra, não há instrumento mais idioticamente usado do que o steadycam. Sempre da mesma maneira, para o mesmo tipo de cenas - há muito operador e muito realizador que julga usar o steadycam quando na verdade está a ser usado pelo steadycam. Quantos filmes conhecem que se sirvam do steadycam com uma inteligência, digamos, "reflexiva", indiciadora de que alguém esteve pelo menos cinco minutos a pensar naquele mecanismo? Shining, de Kubrick, é um dos poucos exemplos que ocorre (e porventura um exemplo inultrapassável). Mas deviam conhecer Pollet, Jean-Daniel Pollet: o que ele faz com o steadycam em Trois Jours en Grèce (e, como Kubrick, no quadro duma "teoria e prática do plano subjectivo") é absolutamente admirável.

Friday, December 14, 2007

Não esquecer ainda que seus bordos senti

Meus caros amigos, vocês deram-me o melhor dos pretextos para voltar a passar uma letra do Dylan pelo translate-o-mat do Google (e Deus sabe como gosto de o fazer):


Na maior parte do tempo

Estou claramente centradas em torno

Na maior parte do tempo

Posso manter ambos os pés no chão

Eu posso seguir o caminho, eu posso ler os sinais

Stay direito com ela, quando a estrada unwinds

Posso lidar independentemente I cair

Eu nem sequer aviso que ela desapareceu

Na maior parte do tempo


Na maior parte do tempo

É bem compreendido

Na maior parte do tempo

Eu não mudá - lo, se eu pudesse

Eu não posso fazer isso todos altura, não posso realizar meu próprio

Posso lidar com a situação direita para baixo ao osso

Posso sobreviver, não posso suportar

E eu nem sequer pensar sobre seu

Na maior parte do tempo


Na maior parte do tempo

A minha cabeça está na recta

Na maior parte do tempo

Eu sou forte o suficiente para não odeio

Eu não criar ilusão "até que me faz doente

Eu não tem medo de confusão, não importa quão espessa

Posso sorriso no rosto do homem

Não esquecer ainda que seus bordos senti como em mina

Na maior parte do tempo


Na maior parte do tempo

Ela não está ainda na minha mente

Eu não sei se ela me viu seu

She's que muito atrás

Na maior parte do tempo

Eu não posso sequer ter a certeza

Se ela estava sempre junto de mim

Ou se é que alguma vez foi com ela


Na maior parte do tempo

Estou halfways conteúdo

Na maior parte do tempo

Eu sei exatamente onde tudo foi

Eu não defraudar sobre mim

Eu não correr e ocultar

Ocultar do sentimentos, que são enterrados no interior

Eu não compromisso e eu não fingir

Eu não mesmo cuidado se eu nunca vê - la novamente

Na maior parte do tempo.

Tuesday, December 04, 2007

Eleonora Rossi-Drago (1925-2007)


Numa estrutura, é certo, mais romanesca do que as de Antonioni nos filmes com Monica Vitti, pelos olhos de Eleonora Rossi-Drago, na sua personagem incomodada/receosa (isto é, apaixonada) de Estate Violenta, passava já qualquer coisa que não era bem daquele tempo, ou que não era só daquele tempo: tanto de trágica, amenizada pela necessidade de contenção emocional, como de grande actriz moderna ainda não totalmente desprovida de psicologia sentimental. Por mim, não trocava um único plano de Rossi-Drago nesse filme por toda a filmografia da Vitti. E isto não é dizer mal da Vitti (nem de Antonioni), é dizer bem da Rossi-Drago, do Zurlini e do jovem Trintignant, que é bem capaz de ser (e confirmem o vazio da sua expressão por exemplo no Conformista de Bertolucci) um dos cinco maiores actores do cinema europeu. Estes três juntos são um milagre, que se chamou Verão Violento.


E o André ainda não publicou um post que prometeu há meses.

Monday, December 03, 2007

Triple bill #5

Moonlighting, Jerzy Skolimowski, 1982
+
I Hired a Contract Killer, Aki Kaurismaki, 1990
+
Eastern Promises, David Cronenberg, 2007

Tuesday, November 27, 2007

Uma força do passado

Como devem saber, Orson Welles condescendeu certa vez em colaborar com um reles realizador europeu, ainda por cima comuna e maricas, que se chamava Pier Paolo Pasolini. Foi em La Ricotta, uma curta-metragem (vinte ou trinta minutos que fazem o meu filme preferido de Pasolini, coisa que agora não vem ao caso). A Welles Pasolini ofereceu o papel de "cineasta" - quer dizer, o seu duplo dentro do filme (que também é um "film on film"). E fê-lo dizer um texto seu. Embora dobrado (em italiano), parece evidente que Welles diz as palavras escritas por Pasolini com toda a convicção - a julgar pelo movimento dos lábios, deve tê-las dito mesmo em italiano. Especialmente aquela parte: "Sou uma força do passado; só na tradição encontro o meu amor".


A mim dá-me para ler estas duas frases como se fosse o cinema que estivesse a falar - mesmo dobrado, Welles permanece (permanecia, no princípio da década de 60) o corpo ideal para encarnar o cinema como entidade feita de força e de tradição. É mais claro que Welles percebeu o jogo. Por muito que a nova ortodoxia insista em aprofundar a fossa atlântica, haverá sempre mais em comum entre um cineasta americano como Welles e um cineasta italiano como Pasolini do que os novos ortodoxos são sequer capazes de sonhar.

Thursday, November 22, 2007

Continuando a troca de posts com o blog da Susana e do Sérgio (mas agora sem ser sobre Control)

Tanto quanto sei, a expressão “filmes da vida”, para além de ser marca registada, designa algo mais forte do que, apenas, filmes de que se gosta muito. São os filmes que ficaram amarrados a um momento das nossas vidas, influenciando-o tanto quanto são influenciados por ele. O filme e o momento confundem-se, e é por isso que não nos esquecemos nem dum nem doutro. A “qualidade” do filme, aquilo que pensamos dele, é relativamente irrelevante – pelo menos em comparação com a qualidade da memória que guardámos. (De resto, o filme pode ser mero acessório quando a memória que guardamos é a da experiência envolvente. Mas acho que é por isso que um filme se torna “da vida”).

Assim sendo, e reduzindo a coisa a cinco, tem que ser mais ou menos assim, com antecipado pedido de desculpas por algum inevitável confessionalismo:

Branca de Neve e os Sete Anões (Walt Disney, 1935) – Como aconteceu com milhares de miudos de todas as gerações, foi por ele que primeiro meti os pés numa sala de cinema. Recordo-me de, durante uma hora e meia, ter atravessado estados emocionais que nem sabia que existiam. Quando a bruxa morreu, chorei, ri, gritei e bati palmas – tudo ao mesmo tempo. Primeira (e, receio, última) experiência eufórica da minha vida.

Battle of Midway (Jack Smight, 1976) – Não me consigo lembrar se acontecia com a regularidade necessária para ser considerado um “hábito”, mas era comum a minha mãe ir buscar-me ao jardim-escola e levar-me ao cinema. Dessas idas, recordo com particular intensidade uma sessão no Tivoli (ou seria o Condes?) para ver a Batalha de Midway. Devo ter sido eu a escolher o filme. Nessa tarde, descobri o que era a adrenalina (mais ou menos naquele plano em que um Zero japonês entrava pela ponte de um porta-aviões americano adentro). Não voltei a ver o filme e não quero voltar a ver: são fortíssimas as hipóteses de se tratar de um irredimível pastelão. Algum mérito pedagógico teria, no entanto, porque não saí de lá a dizer “quando for grande quero ser kamikaze”.

Raiders of the Lost Ark (Steven Spielberg, 1981) – Senti-me crescido, e era muito importante para mim sentir-me crescido. Pela primeira vez o meu pai condescendeu em levar-me a um filme com classificação etária acima da minha idade (eu tinha 10, era para doze). E aconteceu que Indiana Jones destronou, definitivamente, Tarzan e Sandokan.

Blow-Up (Michelangelo Antonioni, 1966) – Como já uma vez tive ocasião de explicar, este filme abriu um buraco à minha frente. E eu, feito estúpido, atirei-me lá para dentro.

O Sangue (Pedro Costa, 1989) – Já não sei por que carga de água, levei os meus dois irmãos a ver este filme. Que é sobre irmãos. Saimos de lá os três com vontade de andar de mão dada pela rua. Alguns anos mais tarde, li uma entrevista com Pedro Costa em que ele, imaginando o espectador de O Sangue e o efeito do filme sobre ele, dizia desejar que irmãos que fossem ver o filme juntos “se sentissem mais irmãos”. Acho que, então, se me soltou a lágrima que guardava desde essa tarde no Fórum Picoas.

Fosse a conversa sobre “filmes preferidos” e seria uma outra lista. Embora, verdade seja dita, um destes filmes (ou, vá lá, e dependendo da extensão da lista, dois destes filmes), se candidatasse(m) a nela figurar.

Friday, November 16, 2007

Triple bill #3 (a menos que seja #4 - didn't check it)

Francesco, Giullare di Dio, Roberto Rossellini, 1950
+
Simon del Desierto, Luis Buñuel, 1965 (+ a quarta bobina de Blow Up, a dos Yardbirds e do pedaço de guitarra)
+
Agostino d'Ippona, Roberto Rossellini, 1972

Sunday, November 11, 2007

Mailer by Walsh

Gostava aqui de lembrar que o primeiro livro de Normal Mailer serviu, cerca de dez anos depois da sua publicação, para um dos mais fascinantes filmes do período final do classicismo hollywoodiano, quando esse dito classicismo se dissolvia gloriosamente em qualquer coisa que tinha tanto de uma euforia barroca como de uma secura definitiva e irremediavelmente "pós", e que o responsável pela adaptação nem foi um qualquer jovem turco modernista mas antes um veterano - aliás, um pioneiro - de Hollywood chamado Raoul Walsh.

Saturday, November 10, 2007

Ódio

Actividades, chamemos-lhes, "para-profissionais" que me ocuparam (e vão ainda ocupar, hélas!) nos últimos meses permitiram-me confirmar algo de que já desconfiava. A grande praga dos nossos dias, meus amigos, é o "humanismo". Não digo o Humanismo, tradição poética, filosófica, política comprovadamente nobre. Digo uma declinação saloia desse Humanismo, o "humanismo", obcecada com o bom sentimento, com o pensamento positivo, com a infantilização do ser humano - onde a humanidade é uma espécie de grande rebanho para onde há que voltar a chamar aqueles que desgraçadamente (e porque não conseguiram pensar "positivo") se transviaram.


Dei urros silenciosos de alegria, portanto, quando vi, nesse inesperadíssimo filme que é Control, o émulo de Ian Curtis a usar um blusão com a palavra "Hate" escrita nas costas. (Em certo sentido, não há mensagem mais urgente: reclamar o direito ao ódio). Com esse blusão divide-se o mundo. Bono, por exemplo, que é contemporâneo de Curtis e tudo: obviamente nunca usaria um blusão a dizer "hate" (quer dizer, hoje não usaria, naquele tempo não sei, e faço esta ressalva porque ainda o respeito).


Não me lixem: tudo o que é interessante na história criativa da humanidade tem a ver com a sublimação/condensação/explosão de energias que o senso comum tem por "negativas". Um livro, um filme, um quadro que não ponha a humanidade em cheque é só um passatempo.


É por isso que insisto em ir ao cinema. Se quiser conversa beata vou aos encontros paroquiais na igreja da minha freguesia - que aliás, dista meros cem metros da minha casa.

Wednesday, October 03, 2007

Which way to the revolution?

Há muito que não tinha tão bizarra exchange com um transeunte desconhecido. Deambulando pelo Soho, ruas cheias de gente a fumar cá fora porque agora não se pode fumar lá dentro, fui abordado por um tipo, um negro baixinho e gorducho, que com uma expressão facial entre o exasperado e o angustiado, foi directo ao assunto: "Do you know where the revolution is?". Fiz por não parecer demasiado desconcertado, e respondi-lhe com o tom de voz mais pesaroso que consegui: "sorry mate, I haven't the slightest idea".


Claro que, tratando-se do Soho, o mais provável é que a "revolution" em causa fosse um pub ou um club. Mas prefiro pensar que alguém me escolheu para partenaire de um pequeno gag melancólico sobre o estado político do mundo.

Tuesday, October 02, 2007

Mitchum

Há a fleuma britânica e há o Mitchum way. O homem que respondeu assim à jornalista que lhe telefonava expondo-lhe o projecto de escrever a sua biografia: "Desculpe, mas já contei tudo ao Los Angeles Police Department".

Thursday, September 13, 2007

Os tempos

Numa entrevista recente Alain Resnais falava longamente do seu interesse em séries de televisão – CSI, os Sopranos, 24, enfim, todas as que fazem a ordem do dia (excluindo, curiosamente, Lost, que por alguma razão dizia ter “evitado”). Eu tenho apenas uma vaga (e diferida) ideia do que é que ele está a falar – sou péssimo espectador de séries, por uma razão que Resnais também foca: a “disponibilidade”. Incomoda-me, na ideia de “acompanhar uma série”, a necessidade de ter que fazer uma marca na agenda, e de saber que às tantas horas do dia tal tenho que estar em frente à TV (isto presumindo que os horários são cumpridos pelas estações). Mas há ainda outra coisa que, sem ser com certeza uma lei universal, julgo partilhável com outras pessoas que sejam “espectadoras de cinema” antes de serem “espectadoras de televisão”: a pouca paciência para um regime de visionamento “às pinguinhas”, uma hora agora, outra daqui a oito dias. Um cinéfilo gosta da duração, sabe que é o tempo que dá corpo ao que está a ver. Mas, dir-me-ão, há os compactos em DVD, que permitem que se veja tudo de seguida, não sei quantas horas de enfiada. Pois há, mas 1) mea culpa, mas no momento de comprar um DVD até agora tenho preferido aplicar o dinheiro em Langs ou em Sternbergs, por maior que seja a curiosidade de espreitar um CSI; e 2) culpa alheia atribuível à própria natureza das séries, é ilusória a ideia de que amontoar seis ou sete episódios lhes cria outra duração: podemos multiplicar o “tempo da experiência” mas não o tempo intrínseco aos objectos (assim como se cortarmos às fatias um Rivette, um Bela Tarr ou um Syberberg estamos apenas a manipular o tempo do espectador, não o dos filmes, e nesse passo a destruir completamente a percepção do objecto).


(o texto deste post, com alguns meses, era a introdução a um post maior e um bocado megalómano de que entretanto desisti, mas de que subsistiram alguns pedaços eventualmente aproveitáveis)

Thursday, September 06, 2007

Cacofonia

Há uns anos, bastantes anos mas não assim tantos, a hora do telejornal gerava um curioso efeito. Em casas como as em que vivia ou passava boa parte do ano (em Lisboa ou em Tomar), situadas em ruas pequenas cujas traseiras formavam uma espécie de pátio rear window-ish, as oito da noite traziam uma reverberação singularmente harmónica: o ar enchia-se do som de dezenas de televisores, todos sintonizados no mesmo programa, na mesma voz, nas mesmas palavras. Era uma sensação extremamente reconfortante. Estávamos todos a ver o mesmo, era como se todo um bairro partilhasse as mesmas inquietações, as mesmas angústias, a mesma experiência das coisas. Todos - os filhos da porteira como os filhos do doutor (e isto foi de certeza uma das razões por que precisei de chegar a adulto para ter uma noção do que eram e do que importavam as origens de classe). A essa hora, pelo menos, os problemas e as alegrias eram os problemas e as alegrias de todos. A proximidade era fácil, a comunidade uma coisa simples.

Hoje? Hoje em cada casa se vê um telejornal diferente. Cada um virado para seu lado. E pelas janelas, em vez de harmonia, vem cacofonia.

(advertência ao leitor: isto não é um post saudosista da RTP única; isto não é sequer um post sobre televisão)

Wednesday, September 05, 2007

Action painting
















Embora Beat the Devil, o melhor filme de John Huston digo eu (Bogart odiava: "only phonies like it"; é uma honra ser insultado por Bogart), me faça pensar que talvez Huston tenha tentado saltar do seu tempo e do seu lugar e fazer qualquer coisa, por exemplo e por que não?, à Pollock.


(A foto, obviamente, não é esclarecedora; com filmes, nenhuma foto é)

Tuesday, September 04, 2007

Arte & mezinhas

Caso este inquérito, nas voltas e contravoltas que por certo se seguirão, tenha a ideia de me vir bater à porta, aviso já que é inútil. A lista seria infindável. Mais, seria integral. Nunca um livro, nem um disco, nem um filme, mudou a minha vida. Não que não o desejasse, não que não o tenha pedido (mais a livros e a discos do que a filmes, curiosamente). Mudas invocações de mudança: “agora, muda a minha vida”, “muda-me”, “muda o mundo à minha volta”, três variantes do mesmo desejo. Mas a mudança não acontece a pedido.

Nem se encomenda na Amazon. O que nos muda, e o que nos muda a vida, são as outras pessoas, e são as coisas. O que escolhemos e o que alguém (o acaso, certamente) escolhe por nós. Os livros – e o resto – existem para nos ajudar a perceber. Mais: são aquilo que permanece depois de tudo ter mudado. Já não é mau. Mas ir além disso é confundir a arte e as mezinhas.

(Dito isto, correria para o livro que fizesse de mim um adulto. Ainda nenhum foi capaz disso, e já tentei quase todos aqueles de que vocês falam.)

Thursday, August 16, 2007

Cineasta para baptizados e casamentos

O sonho de Jean Eustache era ter a seguinte inscrição no cartão de visita:

Jean Eustache
Cinéaste pour noces et banquets

Thursday, August 09, 2007

A tua arte por um sofá















Genial, a história da visita de Bob Dylan à Factory. Depois de submeter a posar durante dois minutos para um dos "screen tests" de Warhol achou que devia ser compensado de alguma maneira. Pegou numa tela que ali estava (um Silver Elvis), pô-la debaixo do braço e levou-a com ele.


Parece que, mais tarde, Warhol ficou em estado de choque quando descobriu que Dylan tinha o quadro pendurado na parede, sim, mas o usava como alvo para jogar aos dardos. E que teve uma apoplexia quando soube que, depois, Dylan trocou o Silver Elvis por um sofá.


(Mas não sei porquê; no fundo, Dylan limitou-se a ser mais warholiano do que o papa: o que um des-trivializou, o outro re-trivializou)

O seu nome de Venice Beach em Calcutta, Tennessee deserta

Tarantino prepara um remake de Hiroshima Mon Amour. Passa-se inteiramente num sushi-bar situado numa área de serviço da auto-estrada Tóquio-Quioto e tem como protagonistas (para além de um Datsun 120 Y e de um Toyota Celica dos anos 70) um ex-actor japonês de filmes de artes marciais e a sua amante, uma americana negra, professora universitária especialista em sex studies que aproveitou um programa de intercâmbio entre universidades para passar uma temporada no Japão e cicatrizar uma dolorosa história de amor (com um redneck de Calcutta, Tennessee) que acabou mal.

O diálogo leit-motiv do filme será: “You didn’t see shit in Hiroshima, maddafucka”.

(Agora a sério, e pensando concretamente na crónica de hoje de EPC, parece-me que a questão da "cultura" ou da falta de "cultura" de Tarantino é muito pouco importante; além de que estas coisas mudam: durante décadas disse-se de Hitchcock algo muito semelhante; que era brilhante, sim, mas frívolo, oco, eventualmente "pouco culto")

Tuesday, July 31, 2007

Cada filme, o último

I do not know but perhaps the day will come when I shall be received indifferently by the public, perhaps together with a feeling of disgust in myself. Tiredness and emptiness will descend upon me like a dirty grey sack and fear will stifle everything. Emptiness will stare me in the face.


When this happens I shall put down my tools and leave the scene, of my own free will, without bitterness and without brooding whether or not the work has been useful and truthful from the viewpoint of eternity.


Wise and far-sighted men in the Middle Ages used to spend nights in their coffins in order never to forget the tremendous importance of every moment and the transient nature of life itself.


Without taking such drastic and uncomfortable measures I harden myself to the seeming futility and the fickle cruelty of film-making with the ernest conviction that each film is my last.


(Ingmar Bergman, numa brochura não datada mas cujo aspecto gráfico permite situar algures entre finais de 50 e princípios de 60)


(Sei que o morto do dia é Antonioni mas, sorry, não consigo digerir mais do que uma morte por semana)

Wednesday, July 04, 2007

Celestial

Henrique Viana foi interveniente num dos meus diálogos cinematográficos preferidos. "Holderlin? Não conheço, é policial?"; "Não, é celestial". Quem replicava era João César Monteiro, e o filme, obviamente, é as Recordações.

(Apanhei há bocado, por mero acaso, uma denominada "Homenagem a Henrique Viana" feita pela TVI; quem não soubesse, julgaria que Viana se tinha notabilizado por ser actor de telenovelas no século XXI; such is the power of television, glosando um amigo meu num mail a que ainda não respondi; e claro, Oliveira, César Monteiro, João Botelho, Pedro Costa, João Mário Grilo, para a televisão comercial este pessoal é o inimigo; para a outra é só uma pedra no sapato)

Sem rosinhas vermelhas

O Memorial do Holocausto, no centro de Berlim. Por cima, dúzias de paralelipípedos alinhados em filas, total abstracção. Por baixo, um "centro de informações": números (muitos números), datas, nomes, algumas fotos, alguns fragmentos de testemunhos escritos. Expostos, é verdade, num dispositivo que usa, digamos, a cenografia como mecanismo de maximização dramática (ou dramatúrgica, até). Mas em total sobriedade, se não austeridade, sem truques nem efeitos a apelar à lágrima fácil. Mais Resnais ou Lanzmann (e mais Lanzmann do que Resnais) do que Spielberg.


Há sempre um lado fútil nos monumentos, sejam eles quais forem. Aqui tem-se a sensação de visitar uma excepção. Talvez o sítio mais comovente de Berlim

Monday, July 02, 2007

Derradeiro apontamento berlinense

Atravessa-se a Wilhelmstrasse, onde outrora estava instalado o coração do III Reich, e nada, nenhuma tabuleta, nenhuma espécie de sinalética, indica que era ali que se situava a chancelaria, o gabinete de Hitler, o célebre bunker, etc. Aos poucos edifícios dessa época que subsistem foram subtraidos os ornamentos com a simbologia nazi e são agora grandes matacões cinzentos e indistintos, que albergam serviços e instituições do governo alemão. Se não fossem as indicações constantes do guia, o passante nem sequer sabia que ali tinham sido tomadas algumas das mais atrozes decisões da história recente da humanidade.


(A única excepção é uma exposição, a Topographie des Terrors, situada nas ruinas do que antigamente foi o quartel-general da Gestapo e das SS; exposição a céu aberto, porque nada foi reconstruido).


Mas, chegando ao fim da Wilhelmstrasse, perto do Reichstag

Apontamento berlinense

Curt Bois, como espectral representante de uma Berlim antiga, pré-Hitler, pré-guerra, pré-tudo, passava pelas Asas do Desejo à procura de Potsdamer Platz, sem perceber que aquele glauco descampado com muro ao fundo era Potsdamer Platz. A ironia é que hoje, 2o anos depois do filme de Wenders, quando no lugar do descampado e do muro se ergue um futurista Sony Centre, Curt Bois estaria tão perdido como estava. Não há cidade mais condenada a mudar

Monday, June 11, 2007

O estilo de Rembrandt

Folheando o livro do post abaixo (a edição portuguesa), em que já não pegava desde a faculdade, reencontro uma história deliciosa. Um filme em que Cecil B. DeMille se entusiasmou com uma experiência de iluminação, que deixava parte dos planos na penumbra e fazia a luz incidir apenas sobre metade dos rostos dos actores. Mandado o filme para a distribuidora, recebeu um telegrama: "Endoideceu? Julga que posso vender o filme pelo preço inteiro quando mostra apenas a metade de um homem?". Com o filme a ser rejeitado em todo o lado, DeMille recorreu à guerra psicológica e enviou, por sua vez, um telegrama: "Se vocês são tão ignorantes que não reconhecem um claro-escuro de Rembrandt quando estão a ver, pelo menos não me atribuam as culpas". Funcionou: o distribuidor promoveu o filme com o slogan "O primeiro filme iluminado no estilo de Rembrandt!".


Mas eis a conclusão a que Arnheim chegava: "Esta história mostra até que ponto a nossa maneira de ver se modificou nestes últimos anos. Hoje em dia, o grande público está habituado aos efeitos de luz (...). Mas, nesse tempo (...) qualquer intrusão formativa era considerada uma detracção do realismo da natureza, isto é, do objectivo fundamental do filme. (...) Deviam colocar-se as luzes de tal modo que todos os pormenores de todos os objectos se pudessem ver claramente; não queriam sombras perturbadoras, mas sim uma perspectiva clara".


Isto foi escrito em 1932, ou quando muito em 1957. Não sei se, em 2007, Arnheim poderia estar tão seguro sobre a modificação da "maneira de ver", e muito menos sobre a disponibilidade para as "sombras perturbadoras" em detrimento da "perspectiva clara".

Rudolf Arnheim (1904-2007)

A primeira edição de O Cinema como Arte (ou, na tradução portuguesa das Edições de 70, A Arte do Cinema), saiu em 1932, ainda na Alemanha. Depois, nos anos 50, já Arnheim vivia nos EUA, houve uma revisão e actualização (e não estou certo de que não tenha havido ainda mais uma).


É um marco na bibliografia sobre cinema. Não apenas uma proclamação e defesa do cinema como arte, mas uma das primeiras tentativas teoricamente sustentadas e sistematizadas de defesa do cinema como arte não-naturalista.


Arnheim foi um dos primeiros a defendê-lo. Privilégio de uma longevidade de quase 103 anos, também se pode dizer: foi um dos últimos a defendê-lo.

Tuesday, June 05, 2007

Num mundo perfeito

Num mundo perfeito não se fariam filmes com crianças que não fossem remakes de Moonfleet ou de Night of the Hunter.


(por nenhuma razão especial, é só porque doutra maneira não vale a pena; todos os filmes bons com crianças nos últimos trinta ou quarenta ou anos são remakes ou dum ou doutro, e nos melhores casos dos dois ao mesmo tempo)


(e aos iranianos, que só fazem remakes do Night of the Hunter, dir-se-ia apenas: continuem)

Thursday, May 31, 2007

Noli me tangere


















É naquele breve, brevíssimo (um segundo? um segundo e dois décimos?) plano do rosto de Myriem Roussel, que faz uma expressão entre o pânico total e o horror absoluto, aliás num dramatismo "expressionista" (passe o pleonasmo), totalmente estranho à norma do cinema de Godard, é nesse plano, dizia eu, nesse noli me tangere que se segue ao momento em que o namorado Joseph avança com a mão para lhe tocar no ventre, que Je Vous Salue, Marie se torna definitivamente e sem retrocesso no mais religiosamente feminino dos filmes.

Wednesday, May 16, 2007

A escala Warhol (agora eu)

Michael Cimino estava na sua fase Seu Jorge. Samba, Casa do Brasil, e isso. Ao almoço, espantou-se que eu, "jovem", torcesse um bocado o nariz ao seu entusiasmo e perguntou-me de que música gostava eu. Música americana, respondi, Bob Dylan. Disse-me que Dylan compusera Visions of Johanna em louvor da sua (dele, Cimino) ex-mulher. Ainda hoje acho que estava a gozar com alguém (não comigo, mas com ele, com Dylan ou com a ex-mulher, por esta ordem de probabilidade). Despediu-se com um "temos que combinar aí um dia para ouvir some Dylan records".

(Mas até hoje, nada, nem um postalinho)

Thursday, March 01, 2007

O Senhor Novembro (aah I don't know)

Desde que, adolescente, um amigo (olá J.) me introduziu à beatlemania em todo os seus estados e aspectos associados, sei bem que a mais singela letra de canção pop se presta a operações que estão muito para além da mera "interpretação" e têm muito mais a ver com uma espécie de "desencriptação". Passei a horas a reflectir, a discutir, a consultar fontes autorizadas, para tentar perceber quem era de facto "a morsa", por que é que Glass Onion aparentemente contradizia I am the Walrus - interrogando-me menos, é certo, sobre a real importância de ter resposta para essas perguntas, ou sobre o que mudaria na minha relação com aquela música, aquelas canções e aquele universo a partir do momento em que tivesse respostas. Era como se "desencriptar" uma canção fosse aceder a uma "verdade escondida", que uma vez apreendida mudaria toda a ideia que fazemos do mundo. (As palavras dos profetas estão escritas nas paredes do metropolitano, cantava Paul Simon, conseguindo dizer em meia-dúzia de palavras o que eu precisei de dez linhas para, desgraçadamente, não conseguir).

Hoje o sítio (que descobri fortuitamente) para partilhar interpretações e desencriptações de letras pop é um site chamado SongMeanings. Fornece a letra completa e espaço para que o pessoal partilhe as suas pessoais visões dela.

Mais ou menos ao acaso, apenas mais ou menos ao acaso, procurei a página correspondente a Mr November, dos National, que me parece a mais incompreensível letra dos últimos tempos ("this is nothing like it was in my room" - ah pois claro que não é). A única conversa que tive sobre esta canção foi com um amigo (olá J., que não é o J. dos Beatles) e resumiu-se a isto: um perguntou "que raio quer o gajo dizer com esta coisa?" e o outro respondeu "não faço a mínima ideia". Depois (e isto é só uma sidenote) voltámos à euforia que nos caracteriza.

Mas no Songmeanings diferentes teorias são propostas:

Alguém chamado "Eatmunky" defende tratar-se de uma canção sobre George W. Bush: "It's about the pressures of being president....I'm the new blue blood (as in royalty) im the great white hopeand mr. november... the elections are in november The english are waiting and i don't know what to do... it all kinda makes sense if you listen to it with that in mind. the only part i kinda dont get is the "I used to be carried on the arms of cheerleaders" I think its that he just to be captain of the football team or something and those are the kind of people who become president.. like the really popular people.. and now that he is, its really hard on him.. "this is nothing like it used to be in my room." and he's in his best clothes... etc.... ".

Logo a seguir vem "Impact", que propõe uma interpretação mais baseada na auto-referencialidade: "actually, this song has nothing to do with the president. it's about being under pressure while recording this album. reggie jackson was known as "mr. october" because he always saved his best for last, aka at the end of the season, so "mr. november" is his way of saying he's saving his best effort for last. i think i read that this song was actually the last one written for this record. the line "the english are waiting and i don't know what to do" is in reference to their label, beggar's banquet, which is a uk based label. "

("Freejoe76", sente-se mais inclinado para a teoria do presidente, mas, conciliador, defende que a explicação definitiva deve residir numa combinação das duas).

Alguns comentários depois, parecendo já fixadas essas duas hipóteses de desencriptação, "whj247" levanta uma questão importante: "what the hell does an alligator have to do with all of this?". (Alligator, se não sabem, é o nome do disco onde está a canção).

Não perde pela demora, porque "SomethingClever" responde-lhe quase de imediato: "Some interesting interpretations of this song. I don't know what its actually about but I have two points to make. First I know it's common knowledge that Reggie Jackson is Mr. October but, being from NY, I don't think that its as widely known that Derek Jeter is Mr. November for the same reason as Reggie except the season now ends in November. Second I was wondering why the album was called Alligator as well and thiink its because of the line in City Middle "I wanna go gator around the warm beds of beginners". It seems like the album is a testament to being a lowdown dirty creature that devours women. Just my take ofcourse. "

Mas a introdução do tema do crocodilo produziu de facto uma ruptura epistemológica na discussão, como se confirma pelas observações de "brokenspoons": "when he said "gator" in the line "I wanna go gator around the warm beds of beginners" he was using it as a synonym for explore or going crazy sort of. so maybe the title of the album is alligator as a metaphor for an exploration or an explorer of some sort. or possibly someone who is going crazy. ahh I don't know. "

Neste ponto o "aah I don't know" de "brokenspoons" exprime bem o impasse a que se chegou numa conversa que durava desde Abril de 2005. Foi preciso esperar por hoje (ontem, dia 28) para que "descendant", cru e taxativo, viesse pôr um ponto de ordem na conversa: "He used to be admired by others back in high school - a football star likely, a "great white hope" carried in the arms of cheerleaders, with blue blood - a real 'Merican boy. Now he's a nobody, a loser. He dreams, sleeps too late, and is terrified of the world. But he has something to do. Something that other people are counting on him for. Trying to convince himself he can do it, He sais he won't fuck it up because he's "Mr. November," godamnit, and don't you forget it... But really he's gunna fuck it up because he's a loser now. "

E eu? Eu, I rest my case.

Tuesday, February 20, 2007

Miami Melancholy (e alguns acenos)

"Melancholy is the only way of living on a long-term basis in the world", não sou eu que o digo, mas Jean-Baptiste Thoret num ensaio sobre Miami Vice publicado em Senses of Cinema.

Esse pequeno gesto talvez seja a coisa mais ínfima do filme, mas foi a partir daí que fiquei conquistado. Enfim, conquistado já estava, depois da sequência da lancha e dos mojitos, mas digamos irreversivelmente conquistado.

Quatre-vingt-quinze pour cent parece-me uma estimativa optimista.

Sim, um "mistério", e há aquela progressão matemática profetizada pelo Langlois, eu sei. O cinema talvez não morra, mas o "espectador de cinema" tornou-se uma espécie demasiado rara, em proto-extinção: o Renoir falava de "3 pessoas em 6 000", não de 3 pessoas em... 3.

Thursday, February 15, 2007

Pernas, para que as queres



















Um plano típico de Young Mr Lincoln. O corpo de Henry Fonda/Lincoln disposto de maneira a atravessar o enquadramento de um lado ao outro, simultaneamente conformado com os limites da moldura e em desafio à sua expansão. "Les grandes jambes" de Fonda e "les plans trop petits qui les acueillent", escreveu Louis Skorecki. Sem nunca sair de uma estrutura clássica, Young Mr Lincoln também é um ensaio, obviamente deliberado e em plena consciência, sobre o "tratamento de um corpo". Desde 1939 duvido que se tenha feito melhor, e tenho a certeza que não se fez mais subtilmente.

Curiosamente, em várias cenas Fonda/Lincoln aparece a tocar uma guimbarda, embora as legendas em português da edição DVD lhe chamem uma "harpa dos judeus".

Wednesday, February 14, 2007

Outros tempos a sangue frio

Já tive mais do que uma conversa sobre o que quer exactamente dizer a expressão "cold blooded old times". Tenho uma teoria. Imaginemos que um indivíduo evita ouvir determinada canção. Por nenhuma razão estética, pode gostar dela ou não, é irrelevante - apenas porque, imaginemos, esse indivíduo a ouviu, anos atrás, em dadas circunstâncias, e no seu espírito ela ficou intimamente associada a esse momento, de que ele não quer lembrar-se talvez simplesmente porque não o consegue esquecer. Foge, portanto, da canção, fugindo através dela, desse dado momento da sua vida. Nunca põe a tocar, e afasta-se sempre que pressente a menor hipótese de ela lhe vir a entrar pelos ouvidos.

Mas se um dia liga o rádio e dá de chofre com a canção, e com tudo o que vem com ela - pois bem, isso são cold blooded old times, outros tempos a sangue frio.

Julgo que não seria Bill Callahan a desmentir-me.

Monday, January 29, 2007

Razão a posteriori

O extraordinário é que o fatalismo de Dutt, em 1959, não tinha nenhuma razão material, palpável. Mas, como se fosse uma premonição, Flores de Papel é mais ou menos a história do que lhe aconteceu a seguir.

"His 1959 Kaagaz ke Phool was an intense disappointment. He had invested a great deal of love, money, and energy in this film, which was a self-absorbed tale of a famous director (played by Guru Dutt) who falls in love with an actress (played by Waheeda Rehman, Dutt's real-life love interest). Kaagaz ke Phool failed at the box office and Dutt was devastated. All subsequent films from his studio were, thereafter, officially helmed by other directors since Guru Dutt felt that his name is anathema to box office".

"On October 10, 1964, Guru Dutt was found dead in his bed. He is said to have been mixing alcohol and sleeping pills. His death may have been suicide, or just an accidental overdose.
Guru Dutt's son, Arun Dutt views this as an accident in an interview with India Abroad in October 2004 on the 40th anniversary of his father's death. Guru Dutt had scheduled appointments the next day with actress Mala Sinha for the movie, Baharen Phir Bhi Aayengi, and Raj Kapoor to discuss making colour films. According to him, "my father had sleeping disorders and popped sleeping pills like any other person. That day he was drunk and had taken an overdose of pills, which culminated in his death. It was a lethal combination of excessive liquor and sleeping pills."
"

"According to his brother Atmaram, Guru Dutt was "a strict disciplinarian as far as work was concerned, but totally undisciplined in his personal life" (Kabir, 1997, p. 124). He smoked heavily, he drank heavily, and he kept odd hours. At the time of his death, he had separated from Geeta and was living alone.

Guru Dutt was involved with actress Waheeda Rehman".

Monday, January 22, 2007

Sobre Babel

Não é a "ideologia" de Babel que me irrita. Aliás, nem consigo perceber muito bem qual é a "ideologia" de Babel, para além da exibição estereotipada de um "testemunho dos efeitos da globalização" (aliás bastante linear e bastante simplista: a globalização não é uma linha contínua como a que mostra o filme de Iñarritu por muito que a tente complicar; são muitas linhas descontínuas que avançam ao mesmo tempo em várias direcções; a melhor metáfora, se estamos aí, seria uma "tapeçaria"; ora não é uma estrutura dessas que encontramos em Babel, antes uma soma a+b+c+d que, sendo a ordem dos factores arbitrária, não se torna mais complexa pela desarrumação a que Iñarritu a submete). Julgo até, ideologicamente falando, que Babel dá um tiro no pé: que moral para além da negação do provérbio que diz que é melhor dar uma cana de pesca (ou uma carabina) a um pobre do que um peixe (ou um bife)?

Fui à procura do que escrevi sobre Amor Cão, suponho que em 2001. É até surpreendentemente brando tendo em conta a irritação que o filme me provocou (e que o tempo não atenuou, pelo contrário):

Não vale a pena ficar surpreendido com o acabamento industrial de “Amor Cão” porque, nesse domínio, a tradição do cinema mexicano já tem várias décadas. Sobra a condescendência por se tratar de uma primeira obra, mas mesmo aí não parece haver grandes razões para festejos – é verdade que “Amor Cão” tem uma estrutura narrativa algo intrincada, manejada com relativa segurança, mas é de duvidar que se ela não se parecesse tanto com alguns modelos americanos (Altman, Tarantino) o filme de Gonzalez Inarritu desse tanto nas vistas. Desequilibradíssimo, nem sempre ágil no aproveitar da melhor maneira as duas ou três ideias interessantes que exibe, “Amor Cão” é um filme que se vai esgotando ao longo da sua duração, por manifesta incapacidade de renovação. E o último segmento, derradeiro teste à paciência do espectador, acaba por denunciar que, apesar de toda a euforia visual do filme, o sangue que lhe corre nas veias é de telenovela.

Questões de qualidade (minha) à parte, muito do que disse sobre Amor Cão vale para Babel. Se a ideologia vem ao caso, não é nenhuma ideologia pré-existente, mas antes a ideologia produzida pelo filme. A ideologia cinematográfica, por assim dizer. Que me parece pobre, gasta e, pedindo desculpa pela palavra, intrujona, em Amor Cão, 21 Gramas e Babel.

Thanks for the nice words.

O busílis

Se o meu cinema é cada vez menos narrativo isso acontece porque vi tantos filmes que hoje em dia nada me parece mais banal do que uma história.

William Friedkin, 2006.

Tuesday, January 16, 2007

Citações

Mark Peranson sobre Babel: "Let me point out that the film is itself a crime against humanity, and possibly the worst film ever made. (...) Now that the international court in The Hague is done with Milosevic, I put forth Inarritu".

Roberto Rossellini (sem link) sobre Hollywood: "É falso que seja daqueles que estão sempre a vilipendiar Hollywood. Pelo contrário, acho Hollywood um lugar formidável. É assim como uma fábrica de salsichas que produz salsichas de excelente qualidade".

Saturday, January 13, 2007

Um fogo de artifício fúnebre

Louis Skorecki est de la trempe des Lester Bangs, Yves Adrien, Jean-Patrick Manchette, ces francs-tireurs qui ont leur style pour seule arme, qui nous disent le monde en racontant leur vie et vice-versa, ces perdants du statut social et de la reconnaissance majoritaire, ces enfants aveugles aux yeux grands ouverts qui savent se débattre dans le noir et nous auront apporté quelque lumière décisive. Les ruminations de Skorecki, c'est une grande explosion de tous les systèmes critiques en vigueur, un coup de balai vigoureux et modeste dans le jardin des Lagarde et Michard du cinéma, un feu d'artifice funèbre où il enterre en beauté le cinéma, le discours critique et sa propre vie de spectateur, un dernier tour de piste mélancolique mais pas triste avant l'ère du tout-pixel et du tout-marchand. En attendant cette joyeuse glaciation, voilà une magistrale leçon de liberté et d'élégance. Oui, on veut bien jouer au docteur.

Deste texto de Serge Kaganski ler o resto, que é o mais importante, aqui (where else?).

Adorava (oh como adorava!) ler Skorecki sobre Iñarritu.