Thursday, November 22, 2007

Continuando a troca de posts com o blog da Susana e do Sérgio (mas agora sem ser sobre Control)

Tanto quanto sei, a expressão “filmes da vida”, para além de ser marca registada, designa algo mais forte do que, apenas, filmes de que se gosta muito. São os filmes que ficaram amarrados a um momento das nossas vidas, influenciando-o tanto quanto são influenciados por ele. O filme e o momento confundem-se, e é por isso que não nos esquecemos nem dum nem doutro. A “qualidade” do filme, aquilo que pensamos dele, é relativamente irrelevante – pelo menos em comparação com a qualidade da memória que guardámos. (De resto, o filme pode ser mero acessório quando a memória que guardamos é a da experiência envolvente. Mas acho que é por isso que um filme se torna “da vida”).

Assim sendo, e reduzindo a coisa a cinco, tem que ser mais ou menos assim, com antecipado pedido de desculpas por algum inevitável confessionalismo:

Branca de Neve e os Sete Anões (Walt Disney, 1935) – Como aconteceu com milhares de miudos de todas as gerações, foi por ele que primeiro meti os pés numa sala de cinema. Recordo-me de, durante uma hora e meia, ter atravessado estados emocionais que nem sabia que existiam. Quando a bruxa morreu, chorei, ri, gritei e bati palmas – tudo ao mesmo tempo. Primeira (e, receio, última) experiência eufórica da minha vida.

Battle of Midway (Jack Smight, 1976) – Não me consigo lembrar se acontecia com a regularidade necessária para ser considerado um “hábito”, mas era comum a minha mãe ir buscar-me ao jardim-escola e levar-me ao cinema. Dessas idas, recordo com particular intensidade uma sessão no Tivoli (ou seria o Condes?) para ver a Batalha de Midway. Devo ter sido eu a escolher o filme. Nessa tarde, descobri o que era a adrenalina (mais ou menos naquele plano em que um Zero japonês entrava pela ponte de um porta-aviões americano adentro). Não voltei a ver o filme e não quero voltar a ver: são fortíssimas as hipóteses de se tratar de um irredimível pastelão. Algum mérito pedagógico teria, no entanto, porque não saí de lá a dizer “quando for grande quero ser kamikaze”.

Raiders of the Lost Ark (Steven Spielberg, 1981) – Senti-me crescido, e era muito importante para mim sentir-me crescido. Pela primeira vez o meu pai condescendeu em levar-me a um filme com classificação etária acima da minha idade (eu tinha 10, era para doze). E aconteceu que Indiana Jones destronou, definitivamente, Tarzan e Sandokan.

Blow-Up (Michelangelo Antonioni, 1966) – Como já uma vez tive ocasião de explicar, este filme abriu um buraco à minha frente. E eu, feito estúpido, atirei-me lá para dentro.

O Sangue (Pedro Costa, 1989) – Já não sei por que carga de água, levei os meus dois irmãos a ver este filme. Que é sobre irmãos. Saimos de lá os três com vontade de andar de mão dada pela rua. Alguns anos mais tarde, li uma entrevista com Pedro Costa em que ele, imaginando o espectador de O Sangue e o efeito do filme sobre ele, dizia desejar que irmãos que fossem ver o filme juntos “se sentissem mais irmãos”. Acho que, então, se me soltou a lágrima que guardava desde essa tarde no Fórum Picoas.

Fosse a conversa sobre “filmes preferidos” e seria uma outra lista. Embora, verdade seja dita, um destes filmes (ou, vá lá, e dependendo da extensão da lista, dois destes filmes), se candidatasse(m) a nela figurar.