Thursday, October 30, 2008

Necrologia

Às vezes tenho a sensação de que o velho "efeito Kulechov" é mesmo a coisa mais poderosa do cinema, e de que se calhar o próprio cinema não é mais do que um blow-up da experiência do velho Lev (talvez aquilo a Godard chamaria, em tom sacralizador, a "montagem") . Necrology, de Standish Lawder, que vi hoje: pouco mais de dez minutos (estamos em pleno domínio, vasto e heteróclito, daquilo a que se entendeu por bem chamar "cinema experimental") em que toda a força vem da justaposição de uma legenda ("necrology" em caracteres de horror movie sobre fundo negro) e de um longo plano que "sobrevoa" uma multidão que desce umas escadas ambulantes. Rostos de gente normal, gente de todo o tipo, gente como eu e você, desprevenidamente deambulando ou trabalhando, sobre quem a legenda inicial fez recair uma maldição, mais do que inexorável (como é que é?... "mortos em licença"?...), inerente à condição humana: um dia, estes rostos ilustrarão um cantinho das páginas necrológicas do jornal. E, no fim (é o terceiro e último plano do filme), um genérico aparentemente (mas só aparentemente) humorístico vem identificar os "participantes", numa tipologia algo "borgesiana" (categorias arbitrárias, que não se excluem mutuamente) com o condão de celebrar a existência e os diferentes estados da existência: é "o homem que veio do dentista", ou "o diplomata reformado", ou "o marido incompreendido pela mulher".

Transformar o corriqueiro em elegíaco, voila le (plus) beau souci.

Cavaleiros do asfalto



Se a memória não me engana, algures neste blog há um post em que digo que "sou do Benfica, mas do da época 82/83". Ora, como digo muitas vezes que gosto de fórmula 1, conviria precisar que gosto sobretudo da fórmula 1, digamos, da época de 75. Esta fotografia, que tem algumas qualidades leibovitzianas e me lembra, talvez pelos óculos escuros, a equipa de caçadores de vampiros nos Vampires de Carpenter, explica um bocado porquê: hoje, os pilotos não têm esta figura. Comparar os Hamiltons e os Alonsos com este pessoal é como comparar, sei lá, yuppies com cowboys, Tom Cruise com Steve McQueen.
(Thanks, bro)

Monday, October 20, 2008

Guillaume

Outra coisa tão boa como uma interpelação directa para fazer este blog estrebuchar é um óbito. Entre os posts que pensei escrever mas não escrevi ficou uma lembrança de Guillaume Depardieu. Não vi muitos filmes com ele, mas para os dois que vi este ano – Ne Touchez Pas La Hache, de Jacques Rivette (segundo soube não vai estrear em sala, vai directo para DVD), e La France, de Serge Bozon (não confundir com Ozon: Bozon, com B de Bom) – não tenho elogios que cheguem. Nem para ele, sobretudo no Rivette, com o seu Montriveau brutamontes ferido (no Bozon é um papelito mesmo no fim, uma simples “participação especial”). Sei que Guillaume fez outros filmes depois destes (que são de 2007), mas e um outro tornam a sua acusação ao pai Gérard (que teria, segundo Guillaume, “desperdiçado” o seu talento em maus filmes) em algo mais do que mero ressentimento filial. Ou apontavam para aí, caso o rapaz tivesse tido tempo.

Também morreu Xie Jin, o realizador de um dos mais célebres filmes chineses que eu nunca vi, O Destacamento Vermelho Feminino, título como hoje já não há (e muito menos na China).