Wednesday, August 25, 2010

Uma rã é uma rã é uma rã

Se a imagem de síntese chegasse agora como o sonoro chegou, creio que o deixaria [ao cinema]. Tentaria durante algum tempo, não conseguiria, perderia a vontade e deixa-lo-ia. Não me sinto, em absoluto, um igual de todas essas pessoas que trabalham com máquinas que lhes permitem acreditar que estão a fazer alguma coisa. É como o Minitel: dois anos depois, quando se tem problemas com a namorada, o Minitel não serve para nada. No entanto, gosto muito de máquinas. Quando acabei as Histoire(s) du Cinéma fui dizer "obrigado" a cada máquina, até mesmo aos botões intermitentes. Não tenho nada contra os japoneses por fazerem máquinas, aborrece-me é o que eles fazem com elas. Façam filmes com imagens de síntese à vontade, mas não contem comigo para escrever o guião... Como dizia Rostand, as teorias vão e vêm mas uma rã continua a ser uma rã...
JLG, há muitos muitos anos, duma galáxia far far away, cada vez mais far, cada vez mais away.

Thursday, August 19, 2010

Nota marginal #2

Talvez. Ou talvez não: parece-me um procedimento que ao fim de meia dúzia de experiências já está velho, automático, convencionalizado e banalizado. Referia-me a este tipo de uso rotineiro, não ao uso que alguém, eventualmente, um dia venha a dar ao processo. 99% (vá lá, 95%) dos filmes fazem um uso pobre do som; mas um uso pobre do som incomoda-me menos do que um uso pobre das 3D, que é uma coisa que, digamos, salta à vista (ou assalta a vista). Poluição visual, berraria visual, luzes acesas só para não estarem apagadas, coisas assim.

De qualquer modo não queria ser ofensivo para a Baby TV. Vejo pouca televisão e ainda menos bebés, mas dos minutos de Baby TV com que já me cruzei pareceu-me que aquilo se faz com algum interesse (um bocado "chill out zone", é verdade), e que se trabalha duma maneira séria a relação de formas e cores com a indução de um estado de "consciência" particular. Em termos de atitude perante essa relação, tipos como o Brakhage ou o Jacobs tem coisas aproximáveis. Não acho que esteja a exagerar (muito).

Wednesday, August 18, 2010

Nota marginal (?) a um visionamento de The Last Airbender

Definitivamente, as 3D são uma espécie de Baby TV para adultos. Símbolo perfeito para a “grande regressão”, corolário do processo de deliberada infantilização do espectador que já vem de há muitos anos.

Tuesday, August 03, 2010

Citius altius fortius

Em Toy Story 3 – ainda um belo espectáculo, mas o mais frouxo e acomodado dos três – é interessante reparar em dois momentos que a versão 3D (a que vi) deixa ficar em plain old 2D. A sequência que revisita a infância do miúdo (e por extensão o tempo do primeiro Toy Story, de noventa e picos) através de uma simulação de imagens em vídeo doméstico; e um plano muito breve que mostra um cinema ao ar livre onde se projecta um filme de cowboys a preto e branco (se não estou em erro este plano aparece no preâmbulo, Day & Night, que aliás – estou com os rapazes do Independencia - me parece teoricamente mais rico do que o prato forte).

O vídeo dos anos 90 e o filme a preto e branco (ou simplificando, o vídeo e o cinema) ficam ambos despojados de efeitos de relevo. Preocupação de “realismo”, eventualmente nostálgico? Admito. Mas as entrelinhas são mais significativas: como não ver nessa escolha uma espécie de “decreto” pelo qual o “state of the art” tecnológico cede, novo-riquisticamente, à tentação de decidir o que é in-modernizável, impassável a 3D, e está, portanto, ultrapassado? Mais: como não ver, nesse decreto, a fixação de uma fronteira temporal estanque que define os objectos que servem e os que já não servem? Obviamente, Toy Story 3 é um objecto que serve, e é por isso que a ressonância é desagradável: vindas do lado de fora, as declarações de obsolescência têm uma dignidade que nas vindas de dentro – do “lado certo” da fronteira temporal – se transforma em mero exercício de poder (esmagador).

É um das coisas cansativas do cinema – ou de algumas maneiras de falar de cinema – na actualidade. Tornou-se uma corrida (e nem tem só a ver com tecnologia) e até a linguagem com que se fala de cinema está cada vez mais parecida com a dos comentários desportivos. O mais caro, o mais visto, o mais rentável, citius, altius, fortius, como aferição transposta para domínios (o estético, por exemplo) que não são aferíveis assim. É um fenómeno essencialmente internético: uma “perspectiva evolutiva” baseada em coisa nenhuma mas estupidamente assertiva. Os realizadores “superam” o que “já foi feito” e deixam “novos marcos” que eles mesmos, ou outros, um dia “superarão” – como se as palavras usadas para falar, por exemplo, sobre o Christopher Nolan (outro fenómeno internético por excelência) se tivessem tornado as mesmas com que se fala do Carl Lewis ou do Usain Bolt. No desporto, os records e os “marcos” apagam-se de facto uns aos outros, e os “marcos” superados deixam de existir, desaparecem (quem se lembra dos 9.93 do Calvin Smith?). Toy Story 3 apaga Toy Story 1, ou tem só vergonha de, agora que já vai nos 9.58, ser confundido com o tempo dos 9.93? Como explicar que no cinema – que é uma questão de memória – os 9.58 não “superam” os 9.93, e que o cinema – por ser uma questão de memória – é os 9.58 e os 9.93? Que o cinema tem certamente uma história tecnológica mas não se reduz a ela nem a uma sucessão de “marcos” progressivamente “superados”, e que, antes pelo contrário, o que interessa nele são os objectos únicos, que por o serem resistem à camisa de forças da “evolução” e excluem a necessidade, ou a possibilidade, de serem “superados”? Como explicar, em suma, que qualquer random Griffith dos anos dez permanece… “insuperado”?