Thursday, July 31, 2008

Banalidade do Mal

Everything I know about Evil I learnt by growing up in Bowling Green, Kentucky.

John Carpenter.

Tuesday, July 29, 2008

His handkerchief in his eye

"Sam says, 'Who's Bob Dylan?,'" recalls Coburn. "'Oh yeah, the kids used to listen to his stuff. I was kinda thinkin' of that guy Roger Whatsisname, King of the Road guy, to do it.' And we all said, 'What!! You gotta see Dylan,'...He said, 'Okay, bring Dylan down.'...So the night we were over at Sam's house and we were all drinking tequila and carrying on and halfway through dinner, Sam says, 'Okay, kid, let's see what you got. You bring your guitar with you?' They went in this little alcove. Sam had a rocking chair. Bobby sat down on a stool in front of this rocking chair. There was just the two of them in there...And Bobby played [his songs]. And Sam came out with his handkerchief in his eye: 'Goddamn kid! Who the hell is he? Who is that kid? Sign him up!'".

Pat Garrett & Billy the Kid, Dylan meets Sam Peckinpah, amanhã.

(se Sam Peckinpah teve que puxar do lenço quando ouviu Dylan cantar, eu não posso verter duas lágrimas num concerto do Leonard Cohen?)

Na cara não

"A suivre", escrevi eu há uns posts atrás, com a ideia de dizer mais qualquer coisa sobre Tropa de Elite, não necessariamente (ou apenas acessoriamente) sobre a vexata questio do seu suposto fascismo. Mas é defunto demasiado ruim, perdi a vontade (mas a propósito: é justamente no género, como agora dizem miúdos e graúdos, que o filme é péssimo, com o seu esquematismo maniqueista e reconfortante que não interpela nada nem ninguém - a milhas de Siegel e mesmo das fantasias fascistóides de Joel Schumacher).

O que me tinha espevitado foi a coincidência de ter visto o filme de Padilha dois ou três dias a seguir ao meu visionamento anual de Man Hunt. Eu sei, eu sei: tomara aos wildest dreams de Padilha que qualquer dos seus Bopes fosse tão assustador como a fera humana em que Walter Pidgeon se tornou nos últimos planos do filme de Lang (e isto independentemente da justiça da causa anti-nazi que lhe suporta ideologicamente o desejo de vingança - mas esta ambiguidade, when you fight scum you become scum, moral languiana por excelência, é o ponto de quase todos os filmes anti-nazis de Lang). Não comparemos o incomparável.

E dentro dessa coincidência, esta outra: a cena da morte do vilão de ambos os filmes (e abstraindo agora o inenarrável plano subjectivo da morte do de Tropa de Elite). Diz o Baiano, traficante da favela, quando tudo está perdido: "na cara não, para não estragar o velório" (se bem se percebe do tal plano subjectivo, o pedido não foi atendido). Ora, é na cara, justamente, que Quive-Smith (George Sanders), o nazi de Man Hunt, apanha com a flechada final de Walter Pidgeon. (Notar-se-ia que pouco antes da flechada também aqui houve um plano subjectivo, mas corresponde ao único ponto de vista eticamente possível, o de Pidgeon, e tem a função precisa de estabelecer, por assim dizer, a geografia da cena). Sem fazer, obviamente, nenhum pedido que o ridicularizasse aos olhos do executante. A partir daqui, não me sentisse eu pouco persistente comigo próprio, podia-se fazer um post sobre três coisas que me limito a deixar em tópicos: 1) o respeito pelo inimigo, que obviamente não implica estima, como ética perdida desde a II guerra; 2) o respeito pelo espectador e pelas personagens, que desejavelmente implica uma estima, como questão posta a nu pelo uso do plano subjectivo e intimamente ligada a todas as cenas de mortes de vilões; 3) a diferença entre um cineasta de tabloide e um cineasta ensaísta.

Sunday, July 27, 2008

Even worse than that

Parece que a estreia de The Dark Knight gerou mais uma daquelas periódicas vagas de indignação com "os críticos", neste caso especialmente apontada aos "críticos que só deram duas estrelas à 'obra-prima' do 'genial' (sic e sic) Christopher Nolan".

Ia deixar passar o assunto em claro, género tanto se me dá como se me deu, mas uma tal vaga obriga-me a pôr os pontos nos ii: há uma gralha na minha coluna do quadro de estrelas, e onde se contam duas à frente de The Dark Knight deve contar-se apenas uma. On ne badine pas avec la condescendence.

(e é, quase inteira, para, e por, Heath Ledger)

Tuesday, July 22, 2008

Tropa de elite

Oh Sr José Padilha, então você, depois de ter mostrado o Baiano como um sádico repelente, filma a cena da morte dele num plano subjectivo? Não percebe a indignidade desse gesto? O que é que pretende exactamente com ele? Deixar um aviso ao espectador – “porta-te bem meu filho se não acabas assim, com uma espingarda do BOPE encostada ao focinho”? Ou, pelo contrário, trata-se de um golpe de misericórdia – “meu filho, depois de hora e meia a ver esta merda já sofreste que chegue, vamos lá acabar com isto”?

(a suivre)

Friday, July 18, 2008

On Cohen

Para além de (arredondando por baixo) uns 100% do que escreveu o João Bonifácio sobre Leonard Cohen, gostei muito da descrição - quase epifânica - feita pelo Padre Tolentino de Mendonça do seu primeiro contacto com Songs of Love and Hate. Peca apenas por defeito: centenas de audições depois, continua-se a ficar "horas sem conseguir fazer mais nada". (é um disco para ser ouvido cedinho, pela manhã de um dia que não faça mal ser perdido - e já agora, um conselho: nunca misturem Cohen com Warhol, são as criaturas mais antitéticas deste mundo e o curto-circuito é garantido).

Quem parece pecar por excesso, umas páginas mais à frente, é Beck, quando diz que Cohen parece escrever para gente que venha "daqui a mil anos". Talvez peque, mas é uma boa ideia: como com certos textos religiosos, é possível que as canções de Cohen precisem de esperar o tempo suficiente para se verem livres da referencialidade quotidiana e da possibilidade de serem cotejadas com o real de lugares, situações e relações vividas, imagináveis, e concretas. Para que então, libertas do circunstancial e do acessório, crepitem como puro pensamento, imaculada energia emocional, condensação de verdades essenciais sem tempo nem espaço.

Quanto a mim, confesso-me pouco disponível para o elogio de Cohen feito à luz de um qualquer ideal de masculinidade. É um conceito interessante, a masculinidade, mas um pouco sobre-usado nos dias de hoje -frequentemente como manifestação de uma "nostalgia autoritária", nalguns casos como sinal de uma mal resolvida vacilação homoerótica (acho que Gore Vidal escreveu umas coisas sobre o assunto, já nos anos 60).

Pelo contrário, em Cohen comove-me a posição de fragilidade (ou mesmo de dependência) emocional em que tantas vezes se coloca, uma fragilidade que é quase sempre infantil, quando muito adolescente (todo o drama da adolescência é este: o homem de 15 anos já é o homem de 75; ou, de outra maneira, o homem de 35 ainda é o homem de 15). Muitas das canções de Cohen evocam as linhas melódicas, simples, poderosas e hipnóticas, de canções infantis. De acordo, não são canções infantis: mas são uma imaginação, adulta, negra e um pouco tortuosa, de "canções de desembalar", trá lá lás feitos para sobressaltar em vez de para aquietar.

E, como em Cohen há mais para além de self-pity masculina a choramingar pelas negas das mulheres ou pelos amores desvanecidos, interessa-me o seu lado, digamos, equitativo, a capacidade de se pôr num ponto de vista exterior. Exterior a si, porque frequentemente fala por dois e há um drama comum a duas pessoas (One of Us Cannot Be Wrong, a mais genial after-breakup song alguma vez escrita). E exterior ao género, pela manifesta capacidade de incorporar, nem que seja narrativamente, a feminilidade. Acho que isto já devia ter sido dito há muito tempo: Cohen é o Mizoguchi dos "songwriters", e não existe puta de canção mais
mizoguchiana (se tolerarem o emprego do vernáculo como reforço do superlativo) do que The Stranger Song, versão cantada das Irmãs de Gion ou dos Crisântemos Tardios e de todas as outras histórias de mulheres que descobrem tarde demais que são elas, my love, são elas who are the stranger.

Resumida e desajeitadamente, eis porque gosto de Cohen. Mas nada de confusões com o mito do superhomem coheniano. Justamente o contrário: ele é o homem comum, com emoções comuns, que simplesmente encontrou as palavras (e as melodias) certas para as exprimir. Com as palavras certas, as emoções comuns tornam-se extraordinárias. E por se tornarem extraordinárias, nós, os que não encontrámos as palavras certas, podemos reconhecê-las como comuns. No fundo, isto é tudo bastante simples.

(sinceramente, L. Oliveira)

Monday, July 14, 2008

Céu negro

Para todos os que o perderam na semana passada, a sequência final do Cielo Negro de Manuel Mur Oti, incluindo um dos mais espantosos travellings que alguém foi capaz de fazer desde o Sunrise do Murnau (começa aos 3.35, o dito travelling, e vai até aos 5.56). Atenção aos sinos na banda sonora, que isto é cinema religioso, ****-se.

Dedicado aos que o perderam, como disse, mas especialmente ao cronista célebre (enfim, dizem-me que é um cronista célebre, eventualmente até bem pago), lido hoje na sala de espera do dentista, que com a mesma convicção com que o animal de palas nos olhos diz "para frente é que é o caminho" escreve que a expressão "cinema americano" é uma "redundância"; com a minha imensa inveja por não conseguir habitar o mesmo mundo simples e arrumadinho (ainda nos cruzávamos, arre).

Tuesday, July 01, 2008

Speed racer (ou André Bazin nas corridas)


Para além de Paul Newman e, para seu azar, de James Dean, o outro speed racer de Hollywood foi Steve McQueen. No final dos anos 60, quis fazer um filme sobre as 24 horas de Le Mans. Já tinha participado, com sucesso, em corridas americanas, e não teve medo de se misturar com a nata dos profissionais europeus: inscreveu um Porsche 917 para a edição de 1970, que deveria conduzir a meias com Jackie Stewart, nem mais nem menos. Por uma razão que não conheço, o carro acabou por não participar na corrida. Mas estava lá outro Porsche, guiado por pilotos profissionais, que levava uma câmara montada no dorso e participava apenas para recolher imagens da corrida para o filme de McQueen.

Que muito naturalmente se chamou Le Mans. Estreou-se no ano seguinte (1971) e foi realizado por Lee H. Katzin. Vi-o uma série de vezes quando era adolescente. E lembrei-me dele enquanto via Speed Racer, a última fantochada dos irmãos Wachowski. Ninguém que goste de corridas de automóveis - de corridas a sério - pode gostar de Speed Racer: uns carrinhos de choque a andar às voltas numa espécie de Scalextric gigante, e o pessoal do CGI encarregue de tratar dos ditos carrinhos nem conseguiu pô-los a fazer as curvas de maneira convincente (a traseira ginga de um modo esquisito, e das duas uma: ou são carros com uma distribuição de pesos altamente irrealista, e por certo nada eficaz, ou quem os trabalhou nunca viu um automóvel de competição a fazer-se a uma curva - ou então os carrinhos nem são CGI, apenas uns brinquedos mal feitos, e juro que até na Scalextric da minha infância o Porsche branco e o Ferrari amarelo, ambos de plástico, faziam as curvas com mais realismo).

Não me recordo bem de Le Mans, provavelmente é um filme tão mau como Speed Racer, ainda que por outros motivos. Mas cheira a gasolina e a borracha queimada. Nos longos planos (se bem me lembro, longuíssimos, género travelling-de-Kiarostami-a-trezentos-e-cinquenta-à-hora-pelas-Hunaudières-abaixo) captados a bordo do Porsche da produção, estão inscritas as marcas de uma experiência, datada, localizada, e por isso irrepetível. É a vantagem dos maus filmes analógicos sobre os maus filmes digitais. Em Speed Racer, nem carros decentes me dão, quanto mais uma experiência.