Tuesday, July 29, 2008

Na cara não

"A suivre", escrevi eu há uns posts atrás, com a ideia de dizer mais qualquer coisa sobre Tropa de Elite, não necessariamente (ou apenas acessoriamente) sobre a vexata questio do seu suposto fascismo. Mas é defunto demasiado ruim, perdi a vontade (mas a propósito: é justamente no género, como agora dizem miúdos e graúdos, que o filme é péssimo, com o seu esquematismo maniqueista e reconfortante que não interpela nada nem ninguém - a milhas de Siegel e mesmo das fantasias fascistóides de Joel Schumacher).

O que me tinha espevitado foi a coincidência de ter visto o filme de Padilha dois ou três dias a seguir ao meu visionamento anual de Man Hunt. Eu sei, eu sei: tomara aos wildest dreams de Padilha que qualquer dos seus Bopes fosse tão assustador como a fera humana em que Walter Pidgeon se tornou nos últimos planos do filme de Lang (e isto independentemente da justiça da causa anti-nazi que lhe suporta ideologicamente o desejo de vingança - mas esta ambiguidade, when you fight scum you become scum, moral languiana por excelência, é o ponto de quase todos os filmes anti-nazis de Lang). Não comparemos o incomparável.

E dentro dessa coincidência, esta outra: a cena da morte do vilão de ambos os filmes (e abstraindo agora o inenarrável plano subjectivo da morte do de Tropa de Elite). Diz o Baiano, traficante da favela, quando tudo está perdido: "na cara não, para não estragar o velório" (se bem se percebe do tal plano subjectivo, o pedido não foi atendido). Ora, é na cara, justamente, que Quive-Smith (George Sanders), o nazi de Man Hunt, apanha com a flechada final de Walter Pidgeon. (Notar-se-ia que pouco antes da flechada também aqui houve um plano subjectivo, mas corresponde ao único ponto de vista eticamente possível, o de Pidgeon, e tem a função precisa de estabelecer, por assim dizer, a geografia da cena). Sem fazer, obviamente, nenhum pedido que o ridicularizasse aos olhos do executante. A partir daqui, não me sentisse eu pouco persistente comigo próprio, podia-se fazer um post sobre três coisas que me limito a deixar em tópicos: 1) o respeito pelo inimigo, que obviamente não implica estima, como ética perdida desde a II guerra; 2) o respeito pelo espectador e pelas personagens, que desejavelmente implica uma estima, como questão posta a nu pelo uso do plano subjectivo e intimamente ligada a todas as cenas de mortes de vilões; 3) a diferença entre um cineasta de tabloide e um cineasta ensaísta.