Tuesday, December 22, 2009

Close reading ao texto de uma pessoa indignada com o meu texto sobre o "Avatar

Começo a ficar francamente enjoado com a frequência destas coisas (2009 tem sido um fartote) e só tenho um apelo a fazer: eh pá não leia, porra, não leia a porra dos meus textos. Mas se por acaso ler e quiser discutir o que lá está escrito, discuta de facto o que lá está escrito - frases, argumentos, factos, palavras - em vez de se perder em caracterizações grupais e pessoais mais maniqueístas do que o próprio "Avatar". Dou um exemplo: comento o seu texto frase a frase. Os itálicos entre parêntesis rectos são meus, o resto é seu.

"Não há volta a dar: a crítica raramente está de acordo com a opinião do público em geral. [Notícia de última hora]. Refiro-me, sobretudo, à crítica de cinema. [Naturalmente, é um bocado difícil saber a "opinião do público em geral" sobre o último quadro da Paula Rego]. Na generalidade dos casos [a generalidade faz lei?], quando o crítico de cinema elogia um filme e lhe atribui 4 ou 5 estrelas, o público não adere [qual crítico, qual filme, qual público?]; quando um filme é sucesso de bilheteira (ou seja, que cheira a "mainstream" enlatado) [todos os sucessos de bilheteira são "mainstream enlatado"?], mesmo que seja assinado por um realizador minimamente credenciado, o filme é destroçado com uma estrela ou, dependendo do ânimo do crítico nesse dia [isto é que é insight psicológico], com uma redonda bola preta [Tarantino, Clint Eastwood, Michael Mann, David Lynch, casos típicos]. O crítico de cinema escreve que o filme de um obscuro realizador [a obscuridade é um defeito?] de Taiwan ou do Irão é uma obra-prima [coisa absurda, obras-primas em Taiwan e no Irão], e o resultado não se exprime na bilheteira [e o que tem uma coisa a ver com a outra?].

Por outro lado, um filme de acção com actores conhecidos [diria mesmo que até com actores desconhecidos], por mais textos destrutivos ["texto destrutivo" só se for impresso em nitroglicerina] que os críticos possam escrever, nunca impedirá que seja um sucesso [mas alguém escreve para "impedir sucessos"?]. Então, para que serve a crítica de cinema se não influencia, aparentemente, nenhum cinéfilo [nenhum?] na hora de optar por qual filme ver? [Boa pergunta; eu respondo por si: não serve para nada e não tem qualquer utilidade, pertence ao domínio das coisas que se fazem e se consomem simplesmente por que se quer fazê-las e consumi-las] Por vezes serve (como uma vez um amigo do meio me confessou) [ai, o "meio", o sinistro "meio"] para que os críticos escrevam "uns para e contra os outros" [não sei se isso é verdade mas seria natural que o fosse, porque são os críticos quem normalmente conduz o debate público sobre os filmes], fomentando guerrilhas intelectuais despropositadas [se não fossem "intelectuais" já seriam "propositadas"?] e em circuito fechado [chama-se a isso, se consigo, eu que não ando no mato, perceber alguma coisa, "discutir filmes", "discordar", "debater", e não creio que seja um exercício especialmente belicista]. A crítica serve para davaneios [má resposta à boa pergunta, eu bem que tentei; e má ortografia já agora] e exercícios altamente retóricos e teóricos (onde cabe toda a semiologia da arte [cabe???] e a linguagem da escola dos "Cahiers du Cinéma" [dos "Cahiers" amarelos? dos "Cahiers" dos anos 70? Dos anos 90?] de teor totalmente egocêntrico e pedante [os Cahiers são uma revista, não uma escola, tiveram centenas de colaboradores ao longo de sessenta anos e muitas "linguagens" diferentes; isto são factos; já ter o "egocentrismo" e a "pedantice" como traço que mais relevantemente caracteriza esta diversidade é mera opinião] . Serve também para dizer ao povo: "atenção, eu sou o crítico de cinema, eu é que sei avaliar e analisar um filme, vocês são meros receptores passivos sem direito a opinião contraditória" [tem portanto o crítico, em vez de se preocupar com o que tem a dizer, de informar a cada duas linhas que o leitor "não é um receptor passivo" e "tem direito a opinião contraditória", porque se não o leitor esquece-se disso]. A sério que às vezes é o que parece [nem tudo o que parece é]. A crítica de cinema na imprensa escrita portuguesa, ao contrário da crítica musical, mais aberta e menos preconceituosa [não duvido: mas mais aberta e menos preconceituosa em relação a quê? não diz mal dos "discos de ouro" e está-se nas tintas para o equivalente musical dos filmes de Taiwan e do Irão?], revela ainda o estigma da intelectualização do exercício crítico [o que é obviamente abusivo, porque o exercício crítico, por definição, não é um exercício intelectual] que foi herdado da crítica francesa mais erudita [outra vez a "crítica francesa"; ainda se fosse da "menos erudita" e tudo seria, quiçá, mais aceitável].

O crítico de cinema português [o criticus lusitanus], salvo raras excepções [onde receio que não vá ser incluida a minha pessoa], é um petulante e distante observador do fenómeno artístico [de que fenómeno artístico estamos a falar? do fenómeno cinematográfico? como se explica então que tente encurtar a distância com que se observa, por exemplo, Taiwan e o Irão?]. Não imiscui o seu gosto cinéfilo elitista [o seu gosto é o seu gosto, o "elitista" fica com quem lhe chama assim] com o gosto da maioria da população ["imiscuir" gostos uns nos outros soa mal e não se percebe o que possa ser]. Escarnece (quase) [ah que "quase" tão conveniente] tudo o que provém dessa terra do mal [nunca vi chamarem-lhe assim] chamada Hollywood e enaltece, de forma orgástica [um verdadeiro deboche, uma lambuzice pegada], a última obra-prima do realizador vietnamita Tran Anh Hung ou do tailandês Apichatpong Weerasethakal [comparação justíssima: em Portugal estreiam-se todos os anos duzentos filmes vietnamitas, duzentos filmes tailandeses e duzentos filmes americanos]. O crítico de cinema adora destroçar o que é do gosto minimamente popular [ora aí está uma ideia original], que tenha algum sucesso comercial [regra nº1, se rendeu nem que seja cinco tostões é para dizer mal], que venha dos EUA [outra vez: Eastwood, Mann, Jarmusch, James Gray, Tarantino, Wes Anderson, célebres realizadores vietnamitas]. Por seu lado, adora incensar as cinematografias mais exóticas e desconhecidas [e não é essa a sua missão, porque o que é exótico e desconhecido assim deve permanecer para sempre; pode-lhe custar a acreditar, mas houve um tempo em que até Kurosawa era um realizador "exótico" e "desconhecido" na Europa], precisamente para mostrar ao mundo a sua inesgotável sapiência e erudição [será por isso? não será pelo prazer de partilhar os seus gostos e as suas descobertas? ou até mais simplesmente, para informar, assim como o locutor do telejornal que fala do terramoto na Cochinchina não está necessariamente a exibir a sua sapiência e erudição?]. São poucos os críticos que têm discernimento (ou que querem ter) para fazer a "ponte" [para fazer pontes chamam-se engenheiros, não críticos de coisa alguma] entre as duas posições radicalizadas [quais posições? "radicalizadas" como? nos termos grosseiros e caricaturais com que o blogger as "radicalizou"?].

Vem isto a propósito da recepção crítica ao filme "Avatar" de James Cameron [não estava à espera que viesse a propósito de algum filme de Taiwan]. O jornal Público, à excepção de Jorge Mourinha, que sabe cultivar uma visão equilibrada dos objectos estéticos, atribuiu 3 estrelas ao filme [frase sem pés nem cabeça: não foi o jornal Público que atribuiu três estrelas ao filme, foi um crítico do jornal Público, o Jorge Mourinha, e ele não as atribuiu "à excepção" dele próprio]. No entanto, a restante classe [coisa que não existe] de críticos varre o filme com uma estrela [é mentira, basta ver os jornais], desprestigiando um dos fenómenos cinematográficos mais importantes do ano (no mínimo) ["desprestigiando"? no sentido em que se eu disser que me estou nas tintas para que a Red Bull Air Race venha para Lisboa ou fique no Porto também estou a "desprestigiar" esse aéreo evento?]. É que o crítico militante tem de estar sempre do outro lado da barricada [não, é mais simples do que isso: o crítico, militante ou diletante, ou gosta ou não gosta dos filmes]. Por seu turno, Luís Miguel Oliveira [ora cá vou eu], um crítico do mesmo jornal, deita abaixo [a última vez que o vi ele aguentava-se perfeitamente na vertical, a toda a altura do ecrã] o filme de Cameron e desvaloriza a utilização do 3D como instrumento capaz de valorização estética [perdão, mas ou é burro ou eu escrevo mal; acredito mais na primeira hipótese mas por delicadeza ponho a segunda e explico numa linguagem acessível: eu dizer que 3D ser o melhor e mais espectacular de "Avatar"; eu dizer ainda que tecnologia 3D ir certamente evoluir muito, muito, muito, eventualmente dispensar óculos e acessórios, e um dia não muito distante a gente se calhar ver "Avatar" como coisa rudimentar; eu lamentar que supor esta evolução tecnológica seja "desprestigiar" "Avatar"].

É neste tipo de textos que se comprova o nível de preconceitos críticos de certos jornalistas [não: é neste tipo de textos que se comprova o nível de preconceitos anti-críticos de certos leitores]. Além do mais, parece que se quer evangelizar ["bad choice of words" num texto que ainda não parou de pregar o seu evangelho desde a primeira linha] o público com questões conceptuais [e o cinema nada tem a ver com questões conceptuais], recursos linguísticos rebuscados [de facto, nada como os recursos linguísticos do "Obélix e Companhia"] e revelações de episódios da história do cinema [onde já se viu, revelar episódios da história do cinema, coisa mais estapafúrdia].

É sobranceria intelectual a mais ["sobranceria intelectual a mais" é escrever este arrazoado e depois dizer na caixa de comentários do blog que ainda nem sequer foi ver o filme] . E basta ler alguns comentários online ao referido texto de Luís Miguel Oliveira para perceber que há pessoas - meros espectadores ou cinéfilos, do lado de cá - que sabem tanto ou mais de cinema (e têm mais abertura cultural) [eu tenho a certeza absoluta de que as há aos milhares e aos milhões, e até conheço umas centenas delas, mas nos comentários online não encontrei nada com que aprender, só com que desaprender] quanto o crítico no alto do seu pedestal [aprenda a ver "o crítico" sem o pedestal onde você o imagina, vai ver que depois até percebe os textos melhor]. Essa é que é essa [ah, é é, e nem você sabe como]."