É perfeitamente natural e compreensível que o bom cidadão, aquele que utiliza e frequenta as "redes sociais" para diariamente manifestar a sua violenta oposição às coisas más e o seu fervoroso apoio às coisas boas, encontre dificuldades na hora de escolher uma equipa para apoiar no Euro 2020. A pensar nele, preparei um pequeno guia, que espero que facilite essa árdua escolha:
Bélgica – Burocratas, affair
Dutroux, uma vergonha o que fizeram no Congo, e o Vlamandsblok é
fascista. Por outro lado, equipa multicultural, e o Lukaku. Hipótese
a considerar, à falta de melhor.
Itália – Nah. Inventaram o
nacionalismo moderno. Mussolini, Salvini. Relação ambígua com a
“crise dos migrantes”. Mafia, Berlusconi, país precursor da
diluição de fronteiras entre o underground criminoso e a superfície
de respeitabilidade política.
Rússia – Nem pensar. Do Mal Absoluto
quer-se distância.
Polónia – Fascistas.
Ucrânia – Fascistas.
Espanha – Tourada, monarquia, Vox.
Fascistas, no fundo.
França – Caso complicado.
Imperdoável que de 7 em 7 anos nos deixe em ai Jesus que lá vêm os
Le Pen. Chauvinistas, antipáticos, o Macron é um sonso. Como a
Bélgica, equipa multicultural, mas, como a Bélgica, um
multiculturalismo conseguido à custa da pilhagem colonial de
recursos humanos. Há-de haver melhor.
Turquia – Erdogan. Nem pensar.
Inglaterra – O Brexit, o Boris.
Churchill e outros racistas. Imperialistas. A família real mais
cretina da Europa. Passar à frente.
República Checa – Depois do Havel
ninguém sabe muito deles, na verdade. Mas parece que já fizeram
umas fitas na CE e tiveram um presidente que mandou bocas
islamófobas. À cautela, não.
Finlândia – o povo mais simpático
da Europa, mas aquilo dos Verdadeiros Finlandeses é esquisito. Bebem
muito e são muito brancos. Não.
Suécia – Liberalíssimas políticas
de imigração, que lhe valem ser o pet hate da extrema direita
mundial. Não se fazem falar muito, excepto quando há chatices com o
Nobel, e no fundo ninguém sabe muito bem o que lá se passa.
Hipótese a considerar.
Croácia – Fascistas.
Áustria – Ui, país onde nasceu o
Hitler. Tem sempre fascistas no governo ou à volta dele. Fascistas.
Holanda – Arrogantes que roubam os
impostos dos outros países e depois se queixam de que têm que pagar
as contas deles. Já ninguém se lembra de quando se louvava
Amesterdão Global Village, parece que foi há mil anos. Não.
Alemanha - Há dez anos seria hipótese
imediatamente excluida, mas hoje já não representam o
neo-imperalismo económico, antes um bastião da decência
democrática à antiga. Tem muitos fascistas, mas o cordão sanitário
à volta deles tem funcionado. Equipa multicultural. Forte
possibilidade.
Portugal – Um poço onde se cai, um cú de onde se não sai. Não.
Suíça – O ouro dos judeus, as
contas numeradas, a Nestlé. Bancos. São escorregadios como enguias
e chamam a isso “neutralidade”. Não.
Dinamarca – Uma espécie de baldio
entre a Holanda e a Suécia. Não se metem em complicações. Abriram
as fronteiras aos refugiados. São simpáticos. Sem exuberância, boa
hipótese.
País de Gales – Súbditos dóceis do
imperalismo inglês. Não ameaçam com a independência. Não.
Macedónia do Norte – Roubaram o nome
aos gregos e pouco mais se sabe deles. Ninguém faz ideia de como é
Skopje e do que é que lá se passa. Tiro no escuro.
Hungria – Orban, não é preciso
dizer mais nada. Passaram de fascistas a comunistas e depois a
fascistas outra vez.
Eslováquia – Granjearam simpatia
quando os checos se livraram deles por serem demasiado pobres, mas já
ninguém se lembra disso. Como todos os pequenos países da Europa
Central, ardentemente nacionalista. Não.
Escócia – Falam grosso aos ingleses,
e semana sim semana não ameaçam com referendos e independência.
Praticam o cross-dressing descomplexadamente. Tão boa hipótese como
a Alemanha ou a Suécia, e nenhuma das desvantagens, e por isso a
mais recomendável.
Claro que há sempre a possibilidade de escolher uma equipa apenas pelo grau de atracção do futebol que pratica. Mas esse costume - escolher as coisas pelas coisas - era muito praticado pelos bárbaros do século XX e é totalmente desajustado ao tempo das "redes sociais". Não se aconselha, portanto.