Tuesday, July 31, 2007

Cada filme, o último

I do not know but perhaps the day will come when I shall be received indifferently by the public, perhaps together with a feeling of disgust in myself. Tiredness and emptiness will descend upon me like a dirty grey sack and fear will stifle everything. Emptiness will stare me in the face.


When this happens I shall put down my tools and leave the scene, of my own free will, without bitterness and without brooding whether or not the work has been useful and truthful from the viewpoint of eternity.


Wise and far-sighted men in the Middle Ages used to spend nights in their coffins in order never to forget the tremendous importance of every moment and the transient nature of life itself.


Without taking such drastic and uncomfortable measures I harden myself to the seeming futility and the fickle cruelty of film-making with the ernest conviction that each film is my last.


(Ingmar Bergman, numa brochura não datada mas cujo aspecto gráfico permite situar algures entre finais de 50 e princípios de 60)


(Sei que o morto do dia é Antonioni mas, sorry, não consigo digerir mais do que uma morte por semana)

Wednesday, July 04, 2007

Celestial

Henrique Viana foi interveniente num dos meus diálogos cinematográficos preferidos. "Holderlin? Não conheço, é policial?"; "Não, é celestial". Quem replicava era João César Monteiro, e o filme, obviamente, é as Recordações.

(Apanhei há bocado, por mero acaso, uma denominada "Homenagem a Henrique Viana" feita pela TVI; quem não soubesse, julgaria que Viana se tinha notabilizado por ser actor de telenovelas no século XXI; such is the power of television, glosando um amigo meu num mail a que ainda não respondi; e claro, Oliveira, César Monteiro, João Botelho, Pedro Costa, João Mário Grilo, para a televisão comercial este pessoal é o inimigo; para a outra é só uma pedra no sapato)

Sem rosinhas vermelhas

O Memorial do Holocausto, no centro de Berlim. Por cima, dúzias de paralelipípedos alinhados em filas, total abstracção. Por baixo, um "centro de informações": números (muitos números), datas, nomes, algumas fotos, alguns fragmentos de testemunhos escritos. Expostos, é verdade, num dispositivo que usa, digamos, a cenografia como mecanismo de maximização dramática (ou dramatúrgica, até). Mas em total sobriedade, se não austeridade, sem truques nem efeitos a apelar à lágrima fácil. Mais Resnais ou Lanzmann (e mais Lanzmann do que Resnais) do que Spielberg.


Há sempre um lado fútil nos monumentos, sejam eles quais forem. Aqui tem-se a sensação de visitar uma excepção. Talvez o sítio mais comovente de Berlim

Monday, July 02, 2007

Derradeiro apontamento berlinense

Atravessa-se a Wilhelmstrasse, onde outrora estava instalado o coração do III Reich, e nada, nenhuma tabuleta, nenhuma espécie de sinalética, indica que era ali que se situava a chancelaria, o gabinete de Hitler, o célebre bunker, etc. Aos poucos edifícios dessa época que subsistem foram subtraidos os ornamentos com a simbologia nazi e são agora grandes matacões cinzentos e indistintos, que albergam serviços e instituições do governo alemão. Se não fossem as indicações constantes do guia, o passante nem sequer sabia que ali tinham sido tomadas algumas das mais atrozes decisões da história recente da humanidade.


(A única excepção é uma exposição, a Topographie des Terrors, situada nas ruinas do que antigamente foi o quartel-general da Gestapo e das SS; exposição a céu aberto, porque nada foi reconstruido).


Mas, chegando ao fim da Wilhelmstrasse, perto do Reichstag

Apontamento berlinense

Curt Bois, como espectral representante de uma Berlim antiga, pré-Hitler, pré-guerra, pré-tudo, passava pelas Asas do Desejo à procura de Potsdamer Platz, sem perceber que aquele glauco descampado com muro ao fundo era Potsdamer Platz. A ironia é que hoje, 2o anos depois do filme de Wenders, quando no lugar do descampado e do muro se ergue um futurista Sony Centre, Curt Bois estaria tão perdido como estava. Não há cidade mais condenada a mudar

Monday, June 11, 2007

O estilo de Rembrandt

Folheando o livro do post abaixo (a edição portuguesa), em que já não pegava desde a faculdade, reencontro uma história deliciosa. Um filme em que Cecil B. DeMille se entusiasmou com uma experiência de iluminação, que deixava parte dos planos na penumbra e fazia a luz incidir apenas sobre metade dos rostos dos actores. Mandado o filme para a distribuidora, recebeu um telegrama: "Endoideceu? Julga que posso vender o filme pelo preço inteiro quando mostra apenas a metade de um homem?". Com o filme a ser rejeitado em todo o lado, DeMille recorreu à guerra psicológica e enviou, por sua vez, um telegrama: "Se vocês são tão ignorantes que não reconhecem um claro-escuro de Rembrandt quando estão a ver, pelo menos não me atribuam as culpas". Funcionou: o distribuidor promoveu o filme com o slogan "O primeiro filme iluminado no estilo de Rembrandt!".


Mas eis a conclusão a que Arnheim chegava: "Esta história mostra até que ponto a nossa maneira de ver se modificou nestes últimos anos. Hoje em dia, o grande público está habituado aos efeitos de luz (...). Mas, nesse tempo (...) qualquer intrusão formativa era considerada uma detracção do realismo da natureza, isto é, do objectivo fundamental do filme. (...) Deviam colocar-se as luzes de tal modo que todos os pormenores de todos os objectos se pudessem ver claramente; não queriam sombras perturbadoras, mas sim uma perspectiva clara".


Isto foi escrito em 1932, ou quando muito em 1957. Não sei se, em 2007, Arnheim poderia estar tão seguro sobre a modificação da "maneira de ver", e muito menos sobre a disponibilidade para as "sombras perturbadoras" em detrimento da "perspectiva clara".

Rudolf Arnheim (1904-2007)

A primeira edição de O Cinema como Arte (ou, na tradução portuguesa das Edições de 70, A Arte do Cinema), saiu em 1932, ainda na Alemanha. Depois, nos anos 50, já Arnheim vivia nos EUA, houve uma revisão e actualização (e não estou certo de que não tenha havido ainda mais uma).


É um marco na bibliografia sobre cinema. Não apenas uma proclamação e defesa do cinema como arte, mas uma das primeiras tentativas teoricamente sustentadas e sistematizadas de defesa do cinema como arte não-naturalista.


Arnheim foi um dos primeiros a defendê-lo. Privilégio de uma longevidade de quase 103 anos, também se pode dizer: foi um dos últimos a defendê-lo.

Tuesday, June 05, 2007

Num mundo perfeito

Num mundo perfeito não se fariam filmes com crianças que não fossem remakes de Moonfleet ou de Night of the Hunter.


(por nenhuma razão especial, é só porque doutra maneira não vale a pena; todos os filmes bons com crianças nos últimos trinta ou quarenta ou anos são remakes ou dum ou doutro, e nos melhores casos dos dois ao mesmo tempo)


(e aos iranianos, que só fazem remakes do Night of the Hunter, dir-se-ia apenas: continuem)

Thursday, May 31, 2007

Noli me tangere


















É naquele breve, brevíssimo (um segundo? um segundo e dois décimos?) plano do rosto de Myriem Roussel, que faz uma expressão entre o pânico total e o horror absoluto, aliás num dramatismo "expressionista" (passe o pleonasmo), totalmente estranho à norma do cinema de Godard, é nesse plano, dizia eu, nesse noli me tangere que se segue ao momento em que o namorado Joseph avança com a mão para lhe tocar no ventre, que Je Vous Salue, Marie se torna definitivamente e sem retrocesso no mais religiosamente feminino dos filmes.

Wednesday, May 16, 2007

A escala Warhol (agora eu)

Michael Cimino estava na sua fase Seu Jorge. Samba, Casa do Brasil, e isso. Ao almoço, espantou-se que eu, "jovem", torcesse um bocado o nariz ao seu entusiasmo e perguntou-me de que música gostava eu. Música americana, respondi, Bob Dylan. Disse-me que Dylan compusera Visions of Johanna em louvor da sua (dele, Cimino) ex-mulher. Ainda hoje acho que estava a gozar com alguém (não comigo, mas com ele, com Dylan ou com a ex-mulher, por esta ordem de probabilidade). Despediu-se com um "temos que combinar aí um dia para ouvir some Dylan records".

(Mas até hoje, nada, nem um postalinho)

Thursday, March 01, 2007

O Senhor Novembro (aah I don't know)

Desde que, adolescente, um amigo (olá J.) me introduziu à beatlemania em todo os seus estados e aspectos associados, sei bem que a mais singela letra de canção pop se presta a operações que estão muito para além da mera "interpretação" e têm muito mais a ver com uma espécie de "desencriptação". Passei a horas a reflectir, a discutir, a consultar fontes autorizadas, para tentar perceber quem era de facto "a morsa", por que é que Glass Onion aparentemente contradizia I am the Walrus - interrogando-me menos, é certo, sobre a real importância de ter resposta para essas perguntas, ou sobre o que mudaria na minha relação com aquela música, aquelas canções e aquele universo a partir do momento em que tivesse respostas. Era como se "desencriptar" uma canção fosse aceder a uma "verdade escondida", que uma vez apreendida mudaria toda a ideia que fazemos do mundo. (As palavras dos profetas estão escritas nas paredes do metropolitano, cantava Paul Simon, conseguindo dizer em meia-dúzia de palavras o que eu precisei de dez linhas para, desgraçadamente, não conseguir).

Hoje o sítio (que descobri fortuitamente) para partilhar interpretações e desencriptações de letras pop é um site chamado SongMeanings. Fornece a letra completa e espaço para que o pessoal partilhe as suas pessoais visões dela.

Mais ou menos ao acaso, apenas mais ou menos ao acaso, procurei a página correspondente a Mr November, dos National, que me parece a mais incompreensível letra dos últimos tempos ("this is nothing like it was in my room" - ah pois claro que não é). A única conversa que tive sobre esta canção foi com um amigo (olá J., que não é o J. dos Beatles) e resumiu-se a isto: um perguntou "que raio quer o gajo dizer com esta coisa?" e o outro respondeu "não faço a mínima ideia". Depois (e isto é só uma sidenote) voltámos à euforia que nos caracteriza.

Mas no Songmeanings diferentes teorias são propostas:

Alguém chamado "Eatmunky" defende tratar-se de uma canção sobre George W. Bush: "It's about the pressures of being president....I'm the new blue blood (as in royalty) im the great white hopeand mr. november... the elections are in november The english are waiting and i don't know what to do... it all kinda makes sense if you listen to it with that in mind. the only part i kinda dont get is the "I used to be carried on the arms of cheerleaders" I think its that he just to be captain of the football team or something and those are the kind of people who become president.. like the really popular people.. and now that he is, its really hard on him.. "this is nothing like it used to be in my room." and he's in his best clothes... etc.... ".

Logo a seguir vem "Impact", que propõe uma interpretação mais baseada na auto-referencialidade: "actually, this song has nothing to do with the president. it's about being under pressure while recording this album. reggie jackson was known as "mr. october" because he always saved his best for last, aka at the end of the season, so "mr. november" is his way of saying he's saving his best effort for last. i think i read that this song was actually the last one written for this record. the line "the english are waiting and i don't know what to do" is in reference to their label, beggar's banquet, which is a uk based label. "

("Freejoe76", sente-se mais inclinado para a teoria do presidente, mas, conciliador, defende que a explicação definitiva deve residir numa combinação das duas).

Alguns comentários depois, parecendo já fixadas essas duas hipóteses de desencriptação, "whj247" levanta uma questão importante: "what the hell does an alligator have to do with all of this?". (Alligator, se não sabem, é o nome do disco onde está a canção).

Não perde pela demora, porque "SomethingClever" responde-lhe quase de imediato: "Some interesting interpretations of this song. I don't know what its actually about but I have two points to make. First I know it's common knowledge that Reggie Jackson is Mr. October but, being from NY, I don't think that its as widely known that Derek Jeter is Mr. November for the same reason as Reggie except the season now ends in November. Second I was wondering why the album was called Alligator as well and thiink its because of the line in City Middle "I wanna go gator around the warm beds of beginners". It seems like the album is a testament to being a lowdown dirty creature that devours women. Just my take ofcourse. "

Mas a introdução do tema do crocodilo produziu de facto uma ruptura epistemológica na discussão, como se confirma pelas observações de "brokenspoons": "when he said "gator" in the line "I wanna go gator around the warm beds of beginners" he was using it as a synonym for explore or going crazy sort of. so maybe the title of the album is alligator as a metaphor for an exploration or an explorer of some sort. or possibly someone who is going crazy. ahh I don't know. "

Neste ponto o "aah I don't know" de "brokenspoons" exprime bem o impasse a que se chegou numa conversa que durava desde Abril de 2005. Foi preciso esperar por hoje (ontem, dia 28) para que "descendant", cru e taxativo, viesse pôr um ponto de ordem na conversa: "He used to be admired by others back in high school - a football star likely, a "great white hope" carried in the arms of cheerleaders, with blue blood - a real 'Merican boy. Now he's a nobody, a loser. He dreams, sleeps too late, and is terrified of the world. But he has something to do. Something that other people are counting on him for. Trying to convince himself he can do it, He sais he won't fuck it up because he's "Mr. November," godamnit, and don't you forget it... But really he's gunna fuck it up because he's a loser now. "

E eu? Eu, I rest my case.

Tuesday, February 20, 2007

Miami Melancholy (e alguns acenos)

"Melancholy is the only way of living on a long-term basis in the world", não sou eu que o digo, mas Jean-Baptiste Thoret num ensaio sobre Miami Vice publicado em Senses of Cinema.

Esse pequeno gesto talvez seja a coisa mais ínfima do filme, mas foi a partir daí que fiquei conquistado. Enfim, conquistado já estava, depois da sequência da lancha e dos mojitos, mas digamos irreversivelmente conquistado.

Quatre-vingt-quinze pour cent parece-me uma estimativa optimista.

Sim, um "mistério", e há aquela progressão matemática profetizada pelo Langlois, eu sei. O cinema talvez não morra, mas o "espectador de cinema" tornou-se uma espécie demasiado rara, em proto-extinção: o Renoir falava de "3 pessoas em 6 000", não de 3 pessoas em... 3.

Thursday, February 15, 2007

Pernas, para que as queres



















Um plano típico de Young Mr Lincoln. O corpo de Henry Fonda/Lincoln disposto de maneira a atravessar o enquadramento de um lado ao outro, simultaneamente conformado com os limites da moldura e em desafio à sua expansão. "Les grandes jambes" de Fonda e "les plans trop petits qui les acueillent", escreveu Louis Skorecki. Sem nunca sair de uma estrutura clássica, Young Mr Lincoln também é um ensaio, obviamente deliberado e em plena consciência, sobre o "tratamento de um corpo". Desde 1939 duvido que se tenha feito melhor, e tenho a certeza que não se fez mais subtilmente.

Curiosamente, em várias cenas Fonda/Lincoln aparece a tocar uma guimbarda, embora as legendas em português da edição DVD lhe chamem uma "harpa dos judeus".

Wednesday, February 14, 2007

Outros tempos a sangue frio

Já tive mais do que uma conversa sobre o que quer exactamente dizer a expressão "cold blooded old times". Tenho uma teoria. Imaginemos que um indivíduo evita ouvir determinada canção. Por nenhuma razão estética, pode gostar dela ou não, é irrelevante - apenas porque, imaginemos, esse indivíduo a ouviu, anos atrás, em dadas circunstâncias, e no seu espírito ela ficou intimamente associada a esse momento, de que ele não quer lembrar-se talvez simplesmente porque não o consegue esquecer. Foge, portanto, da canção, fugindo através dela, desse dado momento da sua vida. Nunca põe a tocar, e afasta-se sempre que pressente a menor hipótese de ela lhe vir a entrar pelos ouvidos.

Mas se um dia liga o rádio e dá de chofre com a canção, e com tudo o que vem com ela - pois bem, isso são cold blooded old times, outros tempos a sangue frio.

Julgo que não seria Bill Callahan a desmentir-me.

Monday, January 29, 2007

Razão a posteriori

O extraordinário é que o fatalismo de Dutt, em 1959, não tinha nenhuma razão material, palpável. Mas, como se fosse uma premonição, Flores de Papel é mais ou menos a história do que lhe aconteceu a seguir.

"His 1959 Kaagaz ke Phool was an intense disappointment. He had invested a great deal of love, money, and energy in this film, which was a self-absorbed tale of a famous director (played by Guru Dutt) who falls in love with an actress (played by Waheeda Rehman, Dutt's real-life love interest). Kaagaz ke Phool failed at the box office and Dutt was devastated. All subsequent films from his studio were, thereafter, officially helmed by other directors since Guru Dutt felt that his name is anathema to box office".

"On October 10, 1964, Guru Dutt was found dead in his bed. He is said to have been mixing alcohol and sleeping pills. His death may have been suicide, or just an accidental overdose.
Guru Dutt's son, Arun Dutt views this as an accident in an interview with India Abroad in October 2004 on the 40th anniversary of his father's death. Guru Dutt had scheduled appointments the next day with actress Mala Sinha for the movie, Baharen Phir Bhi Aayengi, and Raj Kapoor to discuss making colour films. According to him, "my father had sleeping disorders and popped sleeping pills like any other person. That day he was drunk and had taken an overdose of pills, which culminated in his death. It was a lethal combination of excessive liquor and sleeping pills."
"

"According to his brother Atmaram, Guru Dutt was "a strict disciplinarian as far as work was concerned, but totally undisciplined in his personal life" (Kabir, 1997, p. 124). He smoked heavily, he drank heavily, and he kept odd hours. At the time of his death, he had separated from Geeta and was living alone.

Guru Dutt was involved with actress Waheeda Rehman".

Monday, January 22, 2007

Sobre Babel

Não é a "ideologia" de Babel que me irrita. Aliás, nem consigo perceber muito bem qual é a "ideologia" de Babel, para além da exibição estereotipada de um "testemunho dos efeitos da globalização" (aliás bastante linear e bastante simplista: a globalização não é uma linha contínua como a que mostra o filme de Iñarritu por muito que a tente complicar; são muitas linhas descontínuas que avançam ao mesmo tempo em várias direcções; a melhor metáfora, se estamos aí, seria uma "tapeçaria"; ora não é uma estrutura dessas que encontramos em Babel, antes uma soma a+b+c+d que, sendo a ordem dos factores arbitrária, não se torna mais complexa pela desarrumação a que Iñarritu a submete). Julgo até, ideologicamente falando, que Babel dá um tiro no pé: que moral para além da negação do provérbio que diz que é melhor dar uma cana de pesca (ou uma carabina) a um pobre do que um peixe (ou um bife)?

Fui à procura do que escrevi sobre Amor Cão, suponho que em 2001. É até surpreendentemente brando tendo em conta a irritação que o filme me provocou (e que o tempo não atenuou, pelo contrário):

Não vale a pena ficar surpreendido com o acabamento industrial de “Amor Cão” porque, nesse domínio, a tradição do cinema mexicano já tem várias décadas. Sobra a condescendência por se tratar de uma primeira obra, mas mesmo aí não parece haver grandes razões para festejos – é verdade que “Amor Cão” tem uma estrutura narrativa algo intrincada, manejada com relativa segurança, mas é de duvidar que se ela não se parecesse tanto com alguns modelos americanos (Altman, Tarantino) o filme de Gonzalez Inarritu desse tanto nas vistas. Desequilibradíssimo, nem sempre ágil no aproveitar da melhor maneira as duas ou três ideias interessantes que exibe, “Amor Cão” é um filme que se vai esgotando ao longo da sua duração, por manifesta incapacidade de renovação. E o último segmento, derradeiro teste à paciência do espectador, acaba por denunciar que, apesar de toda a euforia visual do filme, o sangue que lhe corre nas veias é de telenovela.

Questões de qualidade (minha) à parte, muito do que disse sobre Amor Cão vale para Babel. Se a ideologia vem ao caso, não é nenhuma ideologia pré-existente, mas antes a ideologia produzida pelo filme. A ideologia cinematográfica, por assim dizer. Que me parece pobre, gasta e, pedindo desculpa pela palavra, intrujona, em Amor Cão, 21 Gramas e Babel.

Thanks for the nice words.

O busílis

Se o meu cinema é cada vez menos narrativo isso acontece porque vi tantos filmes que hoje em dia nada me parece mais banal do que uma história.

William Friedkin, 2006.

Tuesday, January 16, 2007

Citações

Mark Peranson sobre Babel: "Let me point out that the film is itself a crime against humanity, and possibly the worst film ever made. (...) Now that the international court in The Hague is done with Milosevic, I put forth Inarritu".

Roberto Rossellini (sem link) sobre Hollywood: "É falso que seja daqueles que estão sempre a vilipendiar Hollywood. Pelo contrário, acho Hollywood um lugar formidável. É assim como uma fábrica de salsichas que produz salsichas de excelente qualidade".

Saturday, January 13, 2007

Um fogo de artifício fúnebre

Louis Skorecki est de la trempe des Lester Bangs, Yves Adrien, Jean-Patrick Manchette, ces francs-tireurs qui ont leur style pour seule arme, qui nous disent le monde en racontant leur vie et vice-versa, ces perdants du statut social et de la reconnaissance majoritaire, ces enfants aveugles aux yeux grands ouverts qui savent se débattre dans le noir et nous auront apporté quelque lumière décisive. Les ruminations de Skorecki, c'est une grande explosion de tous les systèmes critiques en vigueur, un coup de balai vigoureux et modeste dans le jardin des Lagarde et Michard du cinéma, un feu d'artifice funèbre où il enterre en beauté le cinéma, le discours critique et sa propre vie de spectateur, un dernier tour de piste mélancolique mais pas triste avant l'ère du tout-pixel et du tout-marchand. En attendant cette joyeuse glaciation, voilà une magistrale leçon de liberté et d'élégance. Oui, on veut bien jouer au docteur.

Deste texto de Serge Kaganski ler o resto, que é o mais importante, aqui (where else?).

Adorava (oh como adorava!) ler Skorecki sobre Iñarritu.

Wednesday, December 27, 2006

Classicos & esquecidos

É claro que não há território mais subjectivo do que este: os clássicos de um homem são os filmes esquecidos de outro, e vice-versa. Mas esta lista reproduzida pelo Pedro, e onde há coisas de que gosto muito, coisas que não faço ideia do que sejam, e coisas que não lembrava ao careca incluir numa lista destas (Tin Cup?????), despertou-me a vontade. Aqui está uma lista minha de 50 candidatos a "clássicos esquecidos". Eu sei que é tudo subjectivo e comecei este post por aí - haverá sempre quem ache que X não é clássico e Y não está esquecido. Não segui nenhum critério, a não ser não repetir realizadores. Parei nos 50, como podia ter parado antes ou depois. E não é um best of pessoal: apenas cinquenta filmes que eu acho que mereciam ser mais conhecidos, e que eu acho que os espectadores de cinema (descontando os cinéfilos hardcore que já os viram a todos) gostariam de conhecer, pelo menos num mundo perfeito. Eu pelo menos gosto deles.

The Cheat, Cecil B. DeMille (EUA), 1915
Erotikon, Mauritz Stiller (Suécia), 1920
Haxan (A Feitiçaria Através dos Tempos), Benjamin Christensen (Suécia), 1922
Die Strasse (A Rua), Karl Grune (Alemanha), 1923
Lady of the Night, Monta Bell (EUA), 1925
Ze Soboty na Nedely (De Sábado a Domingo), Gustav Machaty (Checoslováquia), 1931
The Marriage Circle, Ernst Lubitsch (EUA), 1933
Liebelei, Max Ophuls (Alemanha), 1933
The Good Fairy, William Wyler (EUA), 1935
My Man Godfrey, Gregory La Cava (EUA), 1936
Le Roman d’un Tricheur, Sacha Guitry (França), 1936
The Edge of the World, Michael Powell (Inglaterra), 1937
L’Étrange Monsieur Victor, Jean Grémillon (França), 1938
Roxie Hart, William Wellman (EUA), 1942
Novgorodtsy (Os Homens de Novgorod), Boris Barnet (URSS), 1943
Bluebeard, Edgar G. Ulmer (EUA), 1944
Phantom Lady, Robert Siodmak (EUA), 1944
Dead of Night, Cavalcanti/Crichton/Dearden/Hamer (Inglaterra), 1945
Le Vampire, Jean Painlevé (França), 1945
The Picture of Dorian Gray, Albert Lewin (EUA), 1945
Berlin Express, Jacques Tourneur (EUA), 1948
Der Verlorene, Peter Lorre (Alemanha), 1951
Cielo Negro, Manuel Mur Oti (Espanha), 1951
House of Wax, Andre de Toth (EUA), 1953
Estate Violenta, Valerio Zurlini (Itália), 1959
Compulsion, Richard Fleischer (EUA), 1959
Fantasmi a Roma, Antonio Pietrangeli (Itália), 1961
The Pink Panther, Blake Edwards (EUA), 1964
Walkower, Jerzy Skolimowski (Polónia), 1965
Wavelength, Michael Snow (EUA), 1967
Al Mumma (A Múmia), Shadi Abdel Salam (Egipto), 1969
Matou a Família e Foi ao Cinema, Júlio Bressane (Brasil), 1969
Ikho Shashvi Mgalobeli (Era uma vez um Melro Cantor), Otar Iosseliani (URSS), 1970
Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço, JC Monteiro (Portugal), 1970
Dr. Jekyll and Sister Hyde, Roy Ward Baker (Inglaterra), 1971
The Act of Seeing With One’s Own Eyes, Stan Brakhage (EUA), 1971
Vanishing Point, Richard C. Sarafian (EUA), 1971
Je, Tu, Il, Elle, Chantal Akerman (Bélgica), 1974
Cruising, William Friedkin (EUA), 1980
Une Chambre en Ville, Jacques Demy (França), 1982
El Sur, Victor Erice (Espanha), 1983
La Diagonale du Fou, Richard Dembo (Suíça), 1984
Vision Quest, Harold Becker (EUA), 1985
Frankenstein Unbound, Roger Corman (EUA), 1990
Verhängnis (Destino), Fred Kelemen (Alemanha), 1994
Daijjiga Umule Pajjinal (O Dia em que um Porco Caiu a um Poço), Hong Sang Soo (Coreia do Sul), 1996
Mange ta Soupe, Mathieu Amalric (França), 1997
The Blackout, Abel Ferrara (EUA), 1997
En Construccion, Jose Luis Guerin (Espanha), 2001
Le Monde Vivant, Eugene Green (França), 2003