“Chateado” não fiquei. Nem me lembrava exactamente do que tinha escrito sobre Maria Antonieta (dia de “moinhos de vento”? é possível). Sabia que tinha falado dessa questão da adolescência, que ainda me parece preponderante (em todo o caso, “não negligenciável”), mas mais o fizeram. Uma nota de mil caracteres é uma nota de mil caracteres: às vezes chega e sobeja, noutras há coisas que ficam de fora. Se foi a minha, em particular, que espevitou a pena de Paulo Varela Gomes (PVG), tomo isso como um cumprimento (however twisted). Fosse a motivação do meu comentário o despeito e teria com certeza utilizado aqueles truques de “retórica polémica” que só têm por objectivo irritar o antagonista (como, por exemplo, e pisco o olho a PVG, corrigir-lhe a grafia dos nomes de Coppola e DeMille). Não o fiz, embora o final do meu texto, melodramático em excesso, se me afigure uma escorregadela para esse tipo de retórica que preferia ter evitado.
Mas adiante. Tal como PVG em relação à minha “contestação”, verifico com agrado que a sua resposta parece dar razão às minhas objecções, visto que são esses pontos que sobretudo aprofunda. O que principalmente me “chateou” no primeiro texto foi a “terraplanagem” que, aos meus olhos, PVG operava no território do “filme histórico”, e a maneira, para mim incompreensível, como a partir daí saltava para uma defesa da excepcionalidade de Maria Antonieta (passei ao lado das “palestras” sobre arquitectura e historiografia? Pois passei: não me vou pôr a discutir arquitectura com um arquitecto, e no que toca à historiografia e ao que eu sei dela os comentários de PVG parecem-me perfeitamente justos).
Percebo melhor, agora, a argumentação de PVG. Em vez duma “terraplanagem”, vejo uma “igualização”. É-me fácil concordar com a fórmula proposta (“drama histórico é o filme cujo guião se refere a acontecimentos em relação aos quais os espectadores sentem existir uma distância histórica que necessita da mediação da historiografia para ser descodificada”), mas não consigo deixar de considerar que sob essa definição há dezenas, centenas, milhares, de projectos cinematográficos distintos e em boa medida inconciliáveis. Tanto o Othon dos Straub como Uma Louca História do Mundo de Mel Brooks são filmes “cujo guião se refere a acontecimentos em relação aos quais os espectadores sentem existir uma distância histórica que necessita da mediação da historiografia para ser descodificada” – mas reconhecer isso não me diz nada sobre a essência de cada um destes filmes enquanto projectos ou propostas de cinema, nem mesmo sobre o tipo de distância histórica que criam ou o grau de mediação da historiografia que solicitam.
Julgo que é aqui que reside o nosso desacordo fundamental. Se bem entendo, PVG põe a questão (“a abstracção e o distanciamento em relação à própria hipótese de existir filme histórico e História”) nos termos de uma evolução que pode não ser completamente linear mas que acompanha o galope do pensamento, mais científico ou menos científico, sobre a história e a historiografia – pensamento esse que o cinema, em princípio, reflectiria, conforme o espaço e a época de onde vem, mais ou menos em bloco, seguindo a “grelha conceptual” du jour. Tenho, mais uma vez, dificuldade em ser tão genérico. Há pouca coisa linear na história do cinema, demasiados contextos específicos, demasiados pretextos diferentes como justificação e objectivo do filme histórico, demasiada irregularidade. No último parágrafo, por exemplo, PVG escreve: “Mas agora é talvez necessário que surja outro género de crítica, tanto para os filmes como para os documentários legitimados pela historiografia ‘de baixa intensidade’, aquela que insiste em que pode ‘provar’ que as coisas se passaram mesmo desta ou daquela maneira, ou que está interessada em exibir as aventuras dos historiadores. É no quadro desta cultura, que é de hoje, não dos anos de 1960, que Sofia Coppola fez o seu filme”. Eu não contesto que esta “cultura”, enquanto “cultura”, seja de “hoje”, e não de 1960 nem de 1930. O que eu digo é que, em termos de atitude e dos seus resultados práticos (com certeza numa base intuitiva sem nenhum vínculo efectivo com a historiografia como disciplina), ela se encontra espelhada em diversos filmes e cineastas, nalguns casos bastante remotos, e por vezes de maneira demasiado sistemática (como “programa”, se se quiser) para decorrer apenas de um “tiro no escuro”. DeMille, que citei, parece-me um exemplo claro – e dos seus filmes históricos, sobre romanos, sobre as cruzadas ou sobre episódios da fundação dos EUA, se podia dizer muito (se não tudo) do que PVG escreve sobre o filme de Sofia (mormente, que eles reagem contra a historiografia “que pode ‘provar’ que as coisas se passaram mesmo desta ou daquela maneira”). Repito-me: não deixa de poder ser verdade sobre Maria Antonieta, mas não aparece propriamente com a força de uma “ruptura” ou de uma “novidade”. E como também disse, a graça que acho ao filme de Sofia vem mais das suas pontes com a tradição do que com um carácter “revolucionário” que, pelo exposto, não lhe consigo reconhecer.
Pontes que incluem, claro, o Rossellini, em particular o da Prise de Pouvoir. Aqui o desacordo com PVG é parcial, provém apenas do grau de “rossellinianismo” (ou de “prisedepouvoirismo” que cada um vê no filme de Sofia). Eu julgo que Maria Antonieta tem, entre outras coisas, personagem (ou personagens) a mais para que se possa directamente comparar a Prise de Pouvoir (que vive, justamente, de “funções” e de “formas”). PVG, ao contrário, estima que Sofia vai até mais além do que Rossellini nesse “esvaziamento” das figuras humanas do seu filme. Aqui há muita margem de manobra e seria uma conversa interessante, mas julgo que foge em demasia ao que está em causa.
Talvez houvesse algumas “minudências” para comentar. Sobre a “legitimação” de Ivan e sobre o seu “marxismo” (e mais ainda, o seu “estalinismo”), muito haveria a dizer, tendo esse filme sido (mais exactamente a sua II parte) o motivo da definitiva queda em desgraça de Eisenstein na URSS (acusado, formalmente, de “shakespeareanizar” a figura de Ivan, o Terrível, e de lhe inventar complexos de consciência “burgueses”). Também o “marxismo” de Rossellini (e da Prise) me merece alguma reserva. É certamente (a partir de certa altura, pelo menos: não esqueçamos que começou a filmar em pleno fascismo) um elemento constitutivo do pensamento e da prática rosselliniana, mas não o mais decisivo: ideologicamente, Rossellini era uma amálgama desconcertante.
Termino em auto-crítica. Não devia ter escrito que a Griffith propunha “interpretações da História”. Não tão levianamente, pelo menos, porque há uma ambiguidade muito grande entre o Griffith que escreve (quase pré-rosselliniamente) sobre a função didáctica do cinema, prenunciando que um dia “os filmes substituiriam os livros escolares”, e o que conta a Guerra Civil numa perspectiva sulista (em Birth of a Nation), o que se dedica à “montagem histórica” de Intolerance, ou que principia o trabalho de “monumentalização” de Abraham Lincoln (no filme homónimo), anos mais tarde terminado por Ford. Mas também não é possível distinguir cabalmente se Griffith falava por convicção se, como era preocupação da época, procurava acima de tudo promover a dignificação do cinema enquanto meio de entretenimento (também educativo). Foi um problema que os primeiros promotores cinematográficos tiveram que resolver, para fazer o “upgrade” do cinema de espectáculo de feira a entretenimento culturalmente relevante, capaz de atrair as classes mais cultas e endinheiradas. Se me alongo nesta “palestra” é só porque ela tem a ver com a conversa em causa: o “upgrade” sócio-cultural do cinema, em França com o “film d’art”, em Itália com os épicos que vieram a dar no “peplum”, nos EUA com os “espectáculos históricos” de Griffith ou Ince (muito influenciados pelos italianos, de resto), fez-se à custa da caução da História e, subsidiariamente, da literatura. Ou seja, só estamos a ter esta conversa porque os primeiros promotores cinematográficos quiseram elevar o nível do seu negócio, e do público que o frequentava.
Friday, November 24, 2006
Tuesday, November 21, 2006
1925-2006
Robert Altman, cineasta mal-educado. A coisa mais divertida (mas também tão sintética) que alguém disse sobre o cinema dele foi o comentário feito por Paul Newman às maminhas de The Player (procurem por aí, se querem saber o que foi). Em Short Cuts está a cena mais desagradável de todo o cinema americano dos anos 90, imagens que hardly anyone ever asked for: Huey Lewis (o homem dos News, esse mesmo) a fazer chichi para o lago. Em A Prairie Home Companion, que ainda está em cartaz, há uma cena, que dura uns bons cinco minutos, só com palavrões e anedotas ordinárias. Como despedida, o filme é demasiado brando - mas essa cena, bem pelo contrário.
(Ando com vontade de rever The Long Goodbye e Nashville. E McCabe & Mrs Miller, de cuja banda sonora faz parte a canção de Leonard Cohen que aqui postei, via YouTube, há poucos dias atrás).
Sunday, November 19, 2006
Drama histórico
(O Ivan prometia um texto estimulante de Paulo Varela Gomes, e assim o achei. Mas não concordei com quase nada e escrevi uma contestação que aqui publico, sem animosidade.)
Estaria tudo muito bem se fosse efectivamente possível reduzir o “drama histórico” (que, de resto, se fica sem perceber o que é) a apenas um plano A e um plano B. Sendo uma defesa de Maria Antonieta por oposição ao “drama histórico” tradicional conviria que se começasse por definir com precisão o que é um “drama histórico” para além de descrições genéricas e vagamente anedóticas de exemplos escolhidos a dedo. Acontece que o “drama histórico” não se deixa encafuar facilmente, e é mesmo, aceitando a sua constituição como género, uma das categorias mais indefinidas na narrativa cinematográfica clássica. E um dos casos em que não é possível confundir uma descrição genérica com uma inscrição genética. Não se pode proceder como se todos os filmes históricos (que não são todos “dramas”) se equivalessem, e fossem todos a mesma coisa: Ivan O Terrível e Gladiador? A Inglesa e o Duque e O Rei dos Reis? Amadeus e as sagas “demilleanas”? Tudo o mesmo?
Parece-me que o texto não se recompõe a partir daqui, seguindo um tom de investida quixotesca contra algo que, carecendo de materialização consistente, não passa de moinhos de vento – uma ideia de “drama histórico” que pouco ou nada diz do “drama histórico” enquanto facto… histórico. Algumas coisas são a descoberta da pólvora seca: “o drama histórico, falando estritamente, é uma aldrabice”. DeMille, nos anos 20 e 30, já o dizia, praticando essa “aldrabice” de maneira sistemática (e com muito muito mais ambiguidade do que Sofia Coppola), e praticamente inventando a “comédia histórica”. A graça que acho a Maria Antonieta tem sobretudo a ver com DeMille, com uma dessacralização da História que sem negar a matriz da sua sacralização (a pintura e a literatura, fundamentalmente a primeira) pretende cortar-lhe a solenidade “museológica” – os ténis All Stars, os diálogos entre Maria Antonieta e Luís XVI, são descendentes em linha recta dos pequenos-almoços de Cleópatra e Marco António em Cleopatra, por exemplo. A ideia de que o cinema, sempre que filmou “dramas históricos”, estava por força numa busca convicta da “objectividade” não se aguenta em pé muito tempo: Griffith, entre outros, frisou bem que propunha “interpretações da História”, assumindo a subjectividade da representação (como em Intolerance, que aliás não é um “drama histórico”, mas um “drama ideológico” absolutamente contemporâneo). Tenhamos a boa fé de não tomar os cineastas dos anos 10 do século XX, só por serem dos anos 10 do século XX, por mais ingénuos do que os espectadores do século XXI.
É difícil de engolir que Maria Antonieta seja “um mecanismo teórico” do tipo de A Tomada de Poder por Luís XIV. A ideia de “mecanismo” (eventualmente “téorico”), enquanto descrição de um modo de funcionamento e de um processo histórico, não é alheia ao filme de Sofia Coppola, e seguramente que ela conhece o filme de Rossellini. Mas não me parece que tenha sequer procurado conceber um mecanismo de tipo idêntico – basta pôr os filmes lado a lado, ver o tipo de caracterização (das personagens, por exemplo) que propôem. Se Sofia quis fazer à Rossellini, falhou (e eu acho que não quis). Assim como é difícil engolir que a Prise de Pouvoir seja “cinema político em estado puro à maneira da década de 1960”. Aí não resisto: “say it again?”. Quantos exemplares de cinema político dos anos 60, em estado puro ou adulterado, têm alguma coisa a ver, no todo ou em parte, com o filme de Rossellini? Pobre Rossellini, que queria justamente inventar um cinema que fugisse à “maneira” da sua década. E pobre Rossellini, que queria justamente inventar (aqui sim, por reacção deliberada e teorizada) uma hipótese de “cinema histórico” em que as virtudes didácticas suplantassem as exigências espectaculares e as idissioncrasias políticas (por mais ingénuo que isso hoje nos possa parecer, Rossellini pugnou muito mais por um conceito de “objectividade histórica” do que por exemplo Griffith ou DeMille, que sempre souberam que a História no cinema, o “drama histórico”, se quiserem, era muito mais questão de espectáculo que de História). Ironia das ironias, Rossellini achava que esse “cinema histórico” só tinha lugar… na televisão (o lugar a que supostamente Sofia Coppola “condena” o drama histórico), e foi para a televisão que fez a Prise de Pouvoir, como foi para a televisão que fez praticamente todo o seu trabalho posterior, projecto desmesurado de contar a História universal segundo um modelo (pessoal) que Rossellini propunha como o “protótipo”, ideal e desejável, de algo a que não seria completamente errado chamar o “drama histórico”.
A bem dizer, se alguma vez houve filmes que fossem “crítica ao género cinematográfico ‘drama histórico’”, foram os de Rossellini. Não quer dizer que o de Sofia Coppola não o possa ser – mas já não é propriamente um telex de última hora. “Ninguém poderá voltar a fazer ‘dramas históricos’ inocentemente depois de Maria Antonieta”, insiste Paulo Varela Gomes. Que se diria, então, depois de se ver, sei lá, Ivan o Terrível. Ou Yokihi. Se foi preciso esperar por Maria Antonieta para que o filme histórico (ou o “drama histórico”, seja lá o que ele for) perdesse a inocência, alguém andou muito distraido. Ou os cineastas do mundo inteiro ou Paulo Varela Gomes.
Estaria tudo muito bem se fosse efectivamente possível reduzir o “drama histórico” (que, de resto, se fica sem perceber o que é) a apenas um plano A e um plano B. Sendo uma defesa de Maria Antonieta por oposição ao “drama histórico” tradicional conviria que se começasse por definir com precisão o que é um “drama histórico” para além de descrições genéricas e vagamente anedóticas de exemplos escolhidos a dedo. Acontece que o “drama histórico” não se deixa encafuar facilmente, e é mesmo, aceitando a sua constituição como género, uma das categorias mais indefinidas na narrativa cinematográfica clássica. E um dos casos em que não é possível confundir uma descrição genérica com uma inscrição genética. Não se pode proceder como se todos os filmes históricos (que não são todos “dramas”) se equivalessem, e fossem todos a mesma coisa: Ivan O Terrível e Gladiador? A Inglesa e o Duque e O Rei dos Reis? Amadeus e as sagas “demilleanas”? Tudo o mesmo?
Parece-me que o texto não se recompõe a partir daqui, seguindo um tom de investida quixotesca contra algo que, carecendo de materialização consistente, não passa de moinhos de vento – uma ideia de “drama histórico” que pouco ou nada diz do “drama histórico” enquanto facto… histórico. Algumas coisas são a descoberta da pólvora seca: “o drama histórico, falando estritamente, é uma aldrabice”. DeMille, nos anos 20 e 30, já o dizia, praticando essa “aldrabice” de maneira sistemática (e com muito muito mais ambiguidade do que Sofia Coppola), e praticamente inventando a “comédia histórica”. A graça que acho a Maria Antonieta tem sobretudo a ver com DeMille, com uma dessacralização da História que sem negar a matriz da sua sacralização (a pintura e a literatura, fundamentalmente a primeira) pretende cortar-lhe a solenidade “museológica” – os ténis All Stars, os diálogos entre Maria Antonieta e Luís XVI, são descendentes em linha recta dos pequenos-almoços de Cleópatra e Marco António em Cleopatra, por exemplo. A ideia de que o cinema, sempre que filmou “dramas históricos”, estava por força numa busca convicta da “objectividade” não se aguenta em pé muito tempo: Griffith, entre outros, frisou bem que propunha “interpretações da História”, assumindo a subjectividade da representação (como em Intolerance, que aliás não é um “drama histórico”, mas um “drama ideológico” absolutamente contemporâneo). Tenhamos a boa fé de não tomar os cineastas dos anos 10 do século XX, só por serem dos anos 10 do século XX, por mais ingénuos do que os espectadores do século XXI.
É difícil de engolir que Maria Antonieta seja “um mecanismo teórico” do tipo de A Tomada de Poder por Luís XIV. A ideia de “mecanismo” (eventualmente “téorico”), enquanto descrição de um modo de funcionamento e de um processo histórico, não é alheia ao filme de Sofia Coppola, e seguramente que ela conhece o filme de Rossellini. Mas não me parece que tenha sequer procurado conceber um mecanismo de tipo idêntico – basta pôr os filmes lado a lado, ver o tipo de caracterização (das personagens, por exemplo) que propôem. Se Sofia quis fazer à Rossellini, falhou (e eu acho que não quis). Assim como é difícil engolir que a Prise de Pouvoir seja “cinema político em estado puro à maneira da década de 1960”. Aí não resisto: “say it again?”. Quantos exemplares de cinema político dos anos 60, em estado puro ou adulterado, têm alguma coisa a ver, no todo ou em parte, com o filme de Rossellini? Pobre Rossellini, que queria justamente inventar um cinema que fugisse à “maneira” da sua década. E pobre Rossellini, que queria justamente inventar (aqui sim, por reacção deliberada e teorizada) uma hipótese de “cinema histórico” em que as virtudes didácticas suplantassem as exigências espectaculares e as idissioncrasias políticas (por mais ingénuo que isso hoje nos possa parecer, Rossellini pugnou muito mais por um conceito de “objectividade histórica” do que por exemplo Griffith ou DeMille, que sempre souberam que a História no cinema, o “drama histórico”, se quiserem, era muito mais questão de espectáculo que de História). Ironia das ironias, Rossellini achava que esse “cinema histórico” só tinha lugar… na televisão (o lugar a que supostamente Sofia Coppola “condena” o drama histórico), e foi para a televisão que fez a Prise de Pouvoir, como foi para a televisão que fez praticamente todo o seu trabalho posterior, projecto desmesurado de contar a História universal segundo um modelo (pessoal) que Rossellini propunha como o “protótipo”, ideal e desejável, de algo a que não seria completamente errado chamar o “drama histórico”.
A bem dizer, se alguma vez houve filmes que fossem “crítica ao género cinematográfico ‘drama histórico’”, foram os de Rossellini. Não quer dizer que o de Sofia Coppola não o possa ser – mas já não é propriamente um telex de última hora. “Ninguém poderá voltar a fazer ‘dramas históricos’ inocentemente depois de Maria Antonieta”, insiste Paulo Varela Gomes. Que se diria, então, depois de se ver, sei lá, Ivan o Terrível. Ou Yokihi. Se foi preciso esperar por Maria Antonieta para que o filme histórico (ou o “drama histórico”, seja lá o que ele for) perdesse a inocência, alguém andou muito distraido. Ou os cineastas do mundo inteiro ou Paulo Varela Gomes.
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