Tuesday, May 27, 2008
Sydney Pollack
Os maniqueísmos deste tipo passam com o tempo, felizmente (ou infelizmente), e hoje não dedico nenhuma animosidade especial nem a Pollack nem aos seus apaniguados (tenho até muita estima pessoal por um grande admirador do The Yakuza, que, digo eu em defesa dele, pelo menos tem o Robert Mitchum). Acho apenas que Pollack, bastante lúcido na análise do que aconteceu ao "sítio" de Hollywood onde se quis instalar (conferir a lucidez neste obituário do New York Times), acabou por ser ele próprio, no seu moderado talento de cineasta e no condicionamento da sua ambição criativa, um sintoma do mesmo esvaziamento do "middle ground" de que ele se queixava.
Dito isto, tenho simpatia por alguns dos seus filmes mais antigos (They Shoot Horses, Don't They?, Jeremiah Johnson, The Electric Horseman), e gosto bastante de um dos últimos, Random Hearts, filme necrológico com uma tensão e uma violência (e um sublime Harrison Ford) praticamente inexistente no resto da sua filmografia.
Mas ainda que isto não fosse assim, guardaria uma calorosa memória pessoal de Sydney Pollack, e tanto assim que foi a primeira coisa de que me lembrei quando soube da sua morte. Em 1995 ou 1996 fui entrevistá-lo a um hotel de Lisboa, para aí o Ritz. Pollack andava em promoção de Sabrina, pálido remake (apesar das cores de Rotunno) de um dos poucos Wilders que nunca me encheu as medidas (a cópia em que sempre o vi não ajuda, é um facto). Nessa altura eu era um jovem impressionável e facilmente intimidável (hoje sou menos jovem), nada à vontade perante uma figura do mainstream de Hollywood, a partir da qual se conseguia chegar a Griffith sem esgotar os six degrees of separation (pelas minhas contas chega-se lá em cinco, mas eu fui por Jane Fonda e admito que indo por Robert Mitchum se atalhe caminho). Esta espécie de entrevistas é sempre a andar, e para não perder tempo com o crítico ou jornalista a entrar, a instalar-se, a ligar o gravador ou a abrir o bloco de notas, mal o entrevistado despacha um levanta-se e vai para o quarto ao lado, onde já está outro entrevistador a quem foram dados alguns minutos para ter tudo a postos e ir direito ao assunto assim que o entrevistado entre na sala. Eu tinha usado os meus vinte minutos com duas preocupações - não fazer perguntas idiotas, e sobretudo tentar lembrar-me de perguntas minimamente originais, que não obrigassem o homem a repetir o que tinha dito vinte minutos antes e voltaria a dizer vinte minutos depois. Pollack respondeu a tudo com simpatia e disponibilidade; mas, excelente actor (vejam-no no Woody Allen, no Kubrick, no Michael Clayton), até que ponto eram sinceros os picos de entusiasmo na voz e as pausas para pensar eu não conseguia perceber. Nem se a pose correspondia a uma atitude paternalista perante o miudo um bocado esmagado que o entrevistava.
Acabados os vinte minutos Pollack despediu-se, sempre simpático, levantou-se e saiu, a caminho da próxima entrevista. Já fora do quarto, estacou subitamente, virou-se para trás, deu dois passos para voltar a entrar e, com o sobrolho franzido e um braço ligeiramente estendido na minha direcção, disse: "Challenging questions!...". O cumprimento iluminou-me o dia - porque me pareceu sincero mas ainda mais porque tornava claro que ali estava um homem suficientemente sensível para perceber que em determinadas circunstâncias o entrevistador se sente mais examinado do que o entrevistado. Fiquei com esta certeza sobre Pollack: era um homem melhor do que os seus filmes. Garanto-vos que não conheço muitos realizadores de quem possa dizer o mesmo.
(O que vale o que vale: não mais, mas também não menos).
Thursday, April 24, 2008
I can hear music
Era genial, absolutamente genial. Ouvi-a.
Wednesday, April 23, 2008
A noite é nossa
Leio algures (algures não, na Time Out, que se lixe a falta de vontade de implicar) que ninguém acredita que Mark Wahlberg e Joaquin Phoenix sejam irmãos. Eu também não acredito. Mas acredito, vejo, constato, que Joe e Bobby Grusinsky são irmãos. Aliás, no Darjeeling do Wes Anderson também nunca acreditei que Owen Wilson, Jason Schwartzman e Adrian Brody fossem irmãos, embora acreditasse piamente nos irmãos Whitman. Podia dizer que em Blade Runner também não acredito por um momento que algum daqueles actores seja um "replicante". Mas... so what?
Saturday, April 19, 2008
E eu estou vivo
Michelangelo Antonioni, algures nos anos 50, em resposta a uma pergunta sobre a influência de Cesare Pavese nos seus filmes.
Thursday, March 27, 2008
Widmark
Típico actor americano do pós-II Guerra, Widmark tinha uma ambiguidade natural que o tornava excepcionalmente dotado para encarnar anti-heróis (também típicos do período 1945-55), como os protagonistas esquivos, sombrios, frios como répteis, do mundo fulleriano. Eis uma cena memorável de Pick Up On South Street (1953). De Samuel Fuller, evidentemente.
Wednesday, March 26, 2008
Mudanças no texto
Tuesday, March 04, 2008
Da crítica de cinema como prática cronométrica
(...)Fuller, lui, a tourné moins de cent plans, dont beaucoup de 1', 2' ou 2'30'', dont un de 3'29'' (le premier plan de bureau, où apparait la Teutonne tondue), un autre de 5'29'' (la dernière scène au bureau, terminée par la derouillée de Pittman), un autre enfin de 5'47'' (Bruno rentrant au bercail). Après ceux de Rope (Hitchcock, 1948), bien sûr, ces plans constituent le record mondial du cinéma digne d'interêt. En realité, les fameux plans de The Magnificent Ambersons (Welles, 1942), du Trou (Becker, 1960) et de Cronaca di un Amore (Antonioni, 1950) ne dépassent pas les 3'. Est-ce là un signe de recordite gratuite? Tout nous porte à le croire, car, lorsque l'on veut faire un filme en moins de quinze jours, l'on se limite aux plans de 1', 2' maximum, limite au-delá de laquelle la performance devient difficile et fatigante pour les acteurs et techniciens, susceptibles alors d'oublis, d'erreurs (sans parler des imprévus), qui sont en fait d'heureuses aubaines pour le véritabe artiste. Dans les petites firmes, ensuite, on coupe en dix ces plans-séquences, pour varier (sic). Ce parti-pris de recordite est finalement bénéfique: comme dans Run of the Arrow et son célèbre 4'11'', la caméra part d'un sujet sécondaire, se dirige lentement, par un mouvement dans l'espace assez marqué, vers le sujet essentiel de la scène. Nous trouvons alors (...) un certain nombre de petits recadrages sur les personnages et objets intéressants d'une savante souplesse expressive, et d'un incroyable adresse dans la présentation soudaine et efficace des rapports d'éléments imprévisibles. Il y en a cinq ou six dans le 5'47'' qui nous fait aller - ô! merveille - du dehors à l'intérieur sans aucune rupture, en suivant un étroit couloir (aucune fumisterie du type Pancinor n'est ici possible), il y en a douze ou treize dans le 5'29'', l'un des plus difficiles et l'un des plus chouettissimes plans que j'aie jamais vus. (...).
(Para comodidade do leitor, permiti-me destacar todas as passagens referentes a números; chamo ainda atenção para o maravilhoso "(sic)" a seguir a "pour varier"; e esclareço, para melhor compreensão, que "Pancinor" era a marca da lente que, de 1959 em diante, permitiu a popularização da impressão puramente óptica de movimento a que chamamos "zoom").
Tuesday, February 19, 2008
O valente soldado Schumann

Já viram esta foto dezenas de vezes, com certeza. É uma das imagens mais célebres da guerra fria - pelo menos da guerra fria vista do lado de cá. Mas talvez não saibam que o soldado se chamava Conrad Schumann, e era um jovem saxão de 19 anos. Tinham-lhe pedido que ficasse de guarda naquela fronteira de arame farpado, nas primeiras horas do encerramento da fronteira entre Berlim ocidental e oriental. Com pouca ou nenhuma instrução política - ou, o que será mais certo, com reduzido entendimento da instrução política que lhe deram - nem percebia muito bem o significado daquela fronteira. Pediram-lhe que a guardasse, e que não deixasse ninguém atravessá-la. E era isso que ele fazia. Mas o que o soldado Schumann não percebia de todo era por que raio havia, dos dois lados do arame farpado, grupos de gente a insultá-lo (se houvesse apenas de um lado, tudo seria mais fácil de compreender). Ofendido e enervado, reparou que a certa altura, do lado ocidental, os insultos se transformaram em incentivos: "salta! salta!". A tentação começou a crescer dentro dele, e a certa altura, saltou.
Nunca soube explicar, foi um impulso súbito. Nem sabia exactamente, na altura, qual a troca que fizera ao saltar por cima do arame farpado. Foi um gesto instintivo, quase infantil, que só as circunstâncias transformaram num gesto político significativo. E o soldado Schumann, de resto, viveu sempre com incómodo o seu estatuto de símbolo da guerra fria. Como se, no fundo, alguma coisa dele tivesse ficado emaranhada no arame farpado, e depois emparedada no muro que veio substituir o arame farpado. Quando o muro caiu, essa parte do soldado Schumann, em vez de se libertar, caiu também. Entrou em depressão, que se foi agravando. E um dia, aos 56 anos, o soldado Schumann enforcou-se no jardim da sua casa.
O que me agrada (ou enfim, o que me comove) nesta história é ela realçar muito bem a descontinuidade entre o político e o pessoal. E que o gesto do soldado Schumann, tão devorado pela política, seja no fundo uma demonstração de que nem tudo é política. Ou por outra, que há um reduto individual, íntimo, onde a linearidade de uma interpretação política se suspende ou se vira do avesso.
Sim, porque imaginam o maná que isto - um símbolo do "mundo livre" morreu com uma depressão - não seria para a propaganda comunista, houvesse ainda o "bloco de leste" quando Schumann se suicidou?
Friday, February 15, 2008
The perception of doors
Coisa bem diferente são os planos e as cenas em que as portas são tudo. Em que sem portas não havia filme. O maior "cineasta de portas" foi, claro, Lubitsch. (Lembrei-me de Pedro Costa porque nos últimos Cahiers chamam a Juventude em Marcha um "filme de portas", ideia interessante [mas eu talvez lhe chamasse antes um "filme de paredes", sendo certo que as portas são muito importantes em quase todos os filmes de Pedro Costa, por exemplo as portas que não há em Casa de Lava, ou aquelas em cuja soleira se instala Straub no filme do Sourire Enfoui]).
Isto tudo para dizer que boas cenas com portas a abrir e a fechar são coisa rara. Quando se vê uma é uma alegria. O último Rivette, Ne Touchez Pas la Hache, tem uma magnífica: o Marquês de Montriveau (genial Guillaume Depardieu, feito bête seule) arrastando a perna postiça pelas divisões da casa da Duquesa de Langeais (Jeanne Balibar, toda obstinação quebrantada, se se diz assim), abrindo todas as que encontra pelo caminho, numa barulheira bestial. Três, quatro planos, muito curtos, onde a percepção das portas é tudo.
Wednesday, February 06, 2008
The day manhood died
O final de Vera Cruz, Robert Aldrich, 1954. Ou, cf. post abaixo, a morte da masculinidade. Ou whatever.
Se o diz
A line mais divertida de Myra Breckinridge, famoso monstro involuntariamente gerado no ventre de Gore Vidal, se estiverem em dia de tolerar metáforas orgânicas de gosto duvidoso. Não sei se a frase foi importada do romance ou se resultou da lavra dos adaptadores. Mas soa-me vidaliana, embora me espante a pouca consideração do homem por Gary Cooper. Mas enfim, não sou eu que me vou pôr discutir hierarquias da masculinidade com Gore Vidal.
Monday, January 28, 2008
Antes de La Ciotat

Wednesday, January 16, 2008
Take this longing
Queen Christina, de Rouben Mamoulian, também é de 1933. Mas aqui as alusões são de outra espécie (vide o cacho de uvas). Nesta cena, Garbo, rainha cansada de ser um "símbolo" e uma "abstracção" e com muita vontade de poder ser um "corpo" e ma "alma", põe-se a tactear as paredes e os objectos, autenticamente "para memória futura". Acho esta cena um ponto alto do génio metonímico de Mamoulian, da graciosa sensualidade neurasténica da Garbo (ah, aquele grande plano), e, claro, da espécie de franqueza erótica da Hollywood dos thirties. Também acho que, sem demasiado trabalho retórico, a partir desta cena se podia fazer uma ponte entre a sueca Garbo e algumas das futuras e igualmente suecas heroínas bergmanianas.
(se tiverem a tarde livre, não percam: é um filme genial)
Tuesday, January 15, 2008
Outros Mabuses
Thursday, January 10, 2008
Auto-centramento
Não era do que ia à procura quando fui buscar a Trafic nº37, mas dei com um belo texto de Frédèric Bonnaud sobre a "crise da crítica" em França. Não é muito diferente da "crise da crítica" noutros sítios, o fenómeno é, como se diz, "global". Gosto muito de Bonnaud, julgo que é o melhor crítico de cinema francês da minha geração (se for verdade que nasceu em 1967 só tem mais três anos do que eu). Mas justamente por ser desta geração, por ter começado a escrever com vinte e poucos anos (como eu), a "crise da crítica" foi o panorama em que cresceu e que sempre conheceu. O texto é genialmente agudo no desenho e identificação dos contornos da "crise", mas o facto de esse ser o ar que sempre respirou permite-lhe, se não desdramatizar, chegar a conclusões invejavelmente serenas, para uso individual mais do que colectivo. É que, com "crise" ou sem ela, pode-se sempre tentar escrever bons textos sobre filmes. Talvez não seja muito, mas também não é assim tão pouco.
As outras merdas
Wednesday, January 09, 2008
Bandas sonoras

Saturday, January 05, 2008
As premonições de Fritz Lang
O Testamento do Doutor Mabuse
Tudo é impressionante no Testament. Da mise en scène geometricamente gélida à cenografia discretamente cavernosa. O som, por exemplo, a bruitage abstracta assente em elementos concretos – e Lang foi, com Renoir (cineasta quase nos seus antípodas) quem mais explorou, nesses primeiros anos do sonoro, a utilização do som como interrupção do naturalismo a que essa novidade técnica parecia destinada.
Ouve-se a “sinfonia industrial” que é a banda sonora do Testament e percebe-se bem que tenha sido naquela cidade, Berlim, que cinquenta anos mais tarde apareceram os Einsturzende Neubauten. E esta é a menor das premonições de Lang. Das Testament antecipa o nosso mundo, um mundo sob a égide do “terror” tal como foi redefinido pela escala do 11 de Setembro. Está longe de ser o menos impressionante do filme de Lang. Aquela página das anotações de Mabuse, onde está escrita, em letras grandes, esta fórmula: “dominação pelo terror”. A ambiguidade (ambiguidade languiana e ambuiguidade nossa contemporânea) está nisto: se é claro a quem compete praticar o terror, saber a quem aproveita o terror é mais obscuro. Quantas lideranças políticas actuais (na Europa como na América como na Ásia) não extraiem autoridade da ameaça terrorista, não exploram o “terror” como instrumento de “dominação”? Como bem explicita o filme de Lang, pouco importa se o Dr Mabuse está morto e enterrado; o que é preocupante é a vida do seu testamento.
Saturday, December 22, 2007
Tops (a pedido do Ricardo)
Os meus filmes preferidos (conto apenas estreias comerciais, que é só uma fatia, cada vez mais fina, do bolo todo) foram, por ordem alfabética, estes:
Belle Toujours
Cartas de Iwo Jima
Control
Deathproof
Honra de Cavalaria
Inland Empire
Lady Chatterley
Luzes do Crepúsculo
Paranoid Park
Promessas Perigosas
Still Life
e tenho a certeza de que me falta aqui um, que acrescentarei quando me lembrar. De qualquer modo é injusto: fora um trio que para mim faz o mais entusiasmante de 2007 (digamos: Cartas de Iwo Jima, Deathproof e Still Life), há para aí um grupo de 20 filmes de que gosto bastante e cuja memória reterei. Entre eles está o Capacete Dourado, de que gostei mais do que, pelo que me disseram, se percebeu na altura.
Gosto sempre de escolher "o melhor filme menor do ano" (que tem que ser americano e não se fazer anunciar nem pelas trompetas publicitárias nem pela evidência de um nome de autor - ou seja, um filme à antiga americana). Este ano escolho Breach (título português não me recordo), de Billy Ray.
Quanto a livros, do caos que é a minha disciplina de leitura, sempre digo que Jill, de Philip Larkin, foi o romance que mais gostei de ler, e Cinco Dias em Londres, de John Lukacs, (Churchill aguenta-se-não-se-aguenta durante Maio de 40), o livro de história que mais me entusiasmou (tenho agora ali O Muro de Berlim a olhar para mim). Poesia, uma pequena edição só com a Love Song of J. Alfred Prufrock que devo ter lido no dia 1 ou 2 de Janeiro, e de que por alguma razão me lembrei em todos os dias do resto do ano. Do melhor livro de cinema que li este ano já falei várias vezes, nem o menciono (se são não sei quê "meus leitores" têm obrigação de saber).
Gostei muito do Chekhov na Cornucópia mas há anos que não ia tão pouco ao teatro (apesar dos gentis convites que me são assiduamente endereçados por uma das melhores companhias teatrais lisboetas).
Discos - comprei muitos. Mas no fundo no fundo só ouvi o Boxer e o Callahan. Com a idade, torno-me chato e previsível.