Sempre que, movido pela curiosidade ou pelo tédio, me atrevo a ir espreitar as caixas de comentários da secção de cinema do Ipsilon online, penso numa importante função social que a internet veio desempenhar, e no entanto habitualmente pouco referida. Dar voz a uma classe tradicionalmente muito desguarnecida no que à, hum, vocalização diz respeito: os idiotas.
Tuesday, January 17, 2012
Oráculo
Há aquela coisa que se diz: tira-se um livro qualquer da estante, abre-se ao acaso, e os olhos hão de pousar numa frase que, arrancada ao seu contexto, fará um sentido especial para o fortuito leitor. Com os filmes isto também funciona. Por exemplo: entro na cabine para dali espreitar a (belíssima) cópia espanhola do Mépris e caio exactamente em cima do momento em que Fritz Lang está a falar do "eterno problema dos gregos", "a luta do indivíduo contra as circunstâncias". E não digo isto por causa dos gregos, e muito menos penso que o "eterno problema" seja só deles: a frase diz, claramente, "a luta do indivíduo".
Saturday, January 14, 2012
Friday, January 06, 2012
I had to rearrange their faces and give them all another name
Prova de que os balanços anuais feitos em cima do momento (ia dizer: do joelho) são sempre altamente falíveis é o facto de, depois, andarmos anos, eventualmente décadas, a descobrir o que de facto aconteceu nesse ano que tão lampeiramente tratámos de fechar. Como, noblesse (?) oblige, os tenho que fazer, e carregando um semblante minimamente decidido, é uma coisa em que tenho pensado. E tenho pensado, por exemplo, num crítico imaginário que, num ano ao acaso (digamos: 1939), não tenha falhado nenhum filme importante desse ano. Depois, penso nesse crítico imaginário como estando ainda vivo hoje, setenta e tal anos depois, e por função ou desfastio compelido a refazer a sua lista dos melhores de 1939: suspeito que este crítico imaginário (imaginário mas a sério: informado, capaz de ver filmes) só incluiria na sua lista feita contemporaneamente um título da sua lista feita em 39: exactamente, La Régle du Jeu (e só este porque, em 1939, talvez não tivesse incluido Young Mr Lincoln, omissão que agora lhe pareceria inaceitável, e certamente, estando baseado na Europa ou na América, não teria podido ver os Crisântemos do Mizoguchi, and so on and so on).
Isto tudo para dizer que só muito recentemente (merci Cyril, Teresa, Pierre-Marie) descobri o que me pareceu obviamente ser um dos grandes filmes da década passada. Masked And Anonymous, de Larry Charles, feito em 2003. Larry Charles? O mesmo que depois assinou as comédias de Sacha Baron Cohen. Aqui ele também assinou, e eventualmente dirigiu. Mas o autor do filme é outro: Bob Dylan, que o escreveu (com o pseudónimo de Sergei Petrov) e o protagonizou na pele de um alter ego. Ninguém o viu, porque os excelentíssimos reviewers americanos grand public que, de facto, decidem que filmes serão nados-mortos e que filmes terão direito a viver (nesta vontade de falar em nome do "grande público" eles são infinitamente mais perniciosos do que o "grande público" ele próprio, que continua a fazer o que sempre fez: vai ver o que a publicidade o manda ver; mas isto é toda uma outra história) decidiram que isto era uma grande palhaçada e chamaram-lhe todos os nomes possíveis. Flop americano e nem à Europa chegou. É uma grande palhaçada, é, mas exactamente no mesmo sentido em que se pode dizê-lo de uma canção como Desolation Row. Desolation Row cruzada com um auto-retrato (honesto e farsante), o fim do mundo tal como o vemos agora (mas em 2003 não víamos tão claramente), Natachas de conto russo, émulos de Greil Marcus e outros sociólogos do rock, a Bíblia, e todo o tipo de coisas que se podem encontrar dentro duma canção de Dylan. "I lobe hij shongs, becauje they are not precije", diz às tantas a Penelope Cruz no seu delicioso sotaque espanhol: o filme tem exactamente essa ausência de precisão que faz a força e a grandeza das melhores canções de Dylan.
Penso que faz sentido dizer que é o contraponto ficcional para o No Direction Home, o filme de Dylan em que Scorsese fez de Larry Charles. E que, obviamente, cem vezes melhor e mais intrigante do que o I'm Not There de Todd Haynes (ah, mas este sim, é que era bestial).
O Rosenbaum pô-lo na sua lista dos dez melhores de 2003. Honra lhe seja feita, ao Rosenbaum pouco lhe escapa.
O filme anda por aí, na internet, é pesquisar e encontrar (se o Google não censurar). Também por aí anda um site (cujo link agora não encontro) com todos os textos e diálogos, ferramenta importante porque o filme, muito godardianamente, cultiva o overlapping sonoro.
E por agora é isto, see you in another couple of months, se não for anths.
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