Thursday, August 23, 2012

Histoire(s) sans cinéma

We haven’t seen the 20th century’s most important films: German films of the extermination camps (even if their shooting was officially forbidden); Soviet films of the gulag (Solzhenitsyn thought they were never made); Chinese films about the camps, which Wang Bing is finally beginning to shoot; scientific films about the splitting of the atom; films about those workers who, at the very end of the 19th century, never left the factory but were instead chopped up inside Chicago’s abattoirs.

Nicole Brenez, aqui.

Friday, August 17, 2012

Will be there

Tuesday, August 14, 2012

Em Lang as mãos servem para muita coisa; raramente para isto


Mas evidentemente nem na ternura se deixa de estar na clandestinidade, sob ameaça e - mais ainda - sob vigilância.

(excerto de You and Me, o Lang/Weill que antecedeu, de alguns anos, o Brecht/Lang)

Tuesday, August 07, 2012

I'm very sorry for what I did to Jesse

I Shot Jesse James, o primeiro Fuller, em DVD numa noite destas. A memória, de facto, plays tricks (julgava que era daqui um certo e determinado plano subjectivo e afinal não é, e agora, de onde raio é?, dammit) – mas não era esta a nota que queria passar a escrito. Antes esta: que I Shot Jesse James, na sua passagem do conforto do mito à sua inabitabilidade (porque o mito se tornou um “mito negro”: é o covarde Robert Ford, o seu reflexo está por todo o lado, tornou-se teatro e tornou-se canção), da família à orfandade, de um pai que se mata (Jesse James) a um pai que mata (Kelley) – que I Shot Jesse James, dizia, me pareceu o ponto de ligação (que alguém poderia defender ser, eventualmente, antes uma des-ligação) entre Ford e Ray.
(John Ireland, psicologia feita esgar, podia, por sua vez, ligar Peter Lorre a John Derek ou James Dean – ideia talvez mais discutível, e até acessória, mas bastante entusiasmante num contexto de “política de actores”).

Monday, August 06, 2012

A poll

O cânone move-se, eppure lentamente: sessenta anos depois de 1952, Vertigo é agora o "melhor filme de todos os tempos", segundo a edição 2012 da célebre poll da Sight & Sound. Justíssimo, claro: há pelo menos cem, duzentos filmes, que muito justissimamente envergariam tal título. Citizen Kane ainda está em segundo lugar - é pena: deveria ter descido mais lugares, sair do top ten, do top fifty, para o podermos voltar a ver sem o "cliché" a poluir a vista. Redescobri-lo, na verdadeira acepção da palavra. Espero que Vertigo resista, por seu turno, ao peso desta proclamação: seria injusto, e descoroçoante, vê-lo reduzido a isto, condenado a ser, só, "o melhor filme de todos os tempos".

Entre 1952 e 2012, cada poll da Sight & Sound disse alguma coisa sobre a história do cinema e muito sobre as tendências, os modos de ver e de pensar, em cada década. Mas também fixou uma espécie de grande ideia feita, que podemos de facto confundir com um cânone, cujo peso se foi fazendo sentir de década para década. Talvez a poll de 2012 traga uma mudança significativa (não sei, ainda não vi a lista com atenção), mas até há dez anos a sensação era que a cada década as variações eram mínimas, e cada nova poll, em vez de estabelecer uma nova lista, fazia fundamentalmente um reajuste da lista original de 1952. O que era bizarro, não apenas por tudo o que aconteceu depois de 1952, mas sobretudo por aquilo que ao longo destes anos todos se foi conhecendo, e em face do que se foi conhecendo, reavaliando, sobre o cinema anterior a 1952.

Não quero dizer que pessoalmente tenha contribuido muito para uma "renovação". Quando cheguei aos 9 e reparei que ainda ía nos anos 40, em vez de refazer resolvi abreviar, como se notará abaixo, saltando para 1959. Incluí um décimo-primeiro filme (o chamado Socialisme, de JLG), como símbolo de tudo o que ficou em falta - antes e depois de 1959. Gentilmente, os senhores da Sight & Sound disseram-me "no jokers", e tive que remover o 11º, mencionado apenas no texto de acompanhamento (que escrevi por compulsão e agora me parece que era dispensável). Como isto é só meu blog, deixo-o estar.

Aleatório (claro) ma non troppo (como deve ser), ficou assim:

INTOLERANCE, DW Griffith, 1916
SUNRISE, FW Murnau, 1927
DAS TESTAMENT DES DR MABUSE, Fritz Lang, 1933
YOUNG MR. LINCOLN, John Ford, 1939
LA RÈGLE DU JEU, Jean Renoir, 1939
ZANGIKU MONOGATARI, Kenji Mizoguchi, 1939
THE GREAT DICTATOR, Charles Chaplin, 1940
IVAN GROZNII, Sergei Eisenstein, 1944-58
GERMANIA, ANNO ZERO, Roberto Rossellini, 1948
PICKPOCKET, Robert Bresson, 1959
+ FILM SOCIALISME, Jean-Luc Godard, 2010

Monday, July 30, 2012

Clube dos 95

A propósito de Marker, e ressuscitando - passe o termo - a minha irreprimível tendência de marcador de óbitos, não pode ficar sem menção aquela semana de Julho em que, a uma cadência quase diária, nos despedimos de três das últimas figuras que ainda garantiam um "link" vivo para a idade (realmente) clássica do cinema.

Assim:

- Ernest Borgnine, talvez o mais amável dos actores craggy-faced da Hollywood antiga, tão credível como homem simplório como enquanto vilão empedernido (no Johnny Guitar, por exemplo, filme de cujo elenco principal já só sobrevive Ben Cooper)

- Celeste Holm, provavelmente a única actriz a dominar um filme do princípio ao fim só com a voz - na Letter to Three Wives do Mankiewicz. A "protagonista ausente", por excelência; ou, o que no caso vai dar ao mesmo, a protagonista excelente, por ausência. (Vede o filme, vede).

- Isuzu Yamada, que nem me ocorreria pensar que ainda estava viva. Actriz de Mizoguchi, foi por exemplo uma das Irmãs de Gion, há tanto tempo que ainda nem a II Guerra tinha começado. (Mas trabalhar com Mizoguchi, e com Ozu, parece que alonga o viver: ainda temos Machiko Kyo e Setsuko Hara).

1917-2012, nos três casos.

(já agora, mais isto: soube hoje da morte, no mês passado, de Stephen Dwoskin, que provavelmente por falta de atenção minha não tinha visto noticiada em lado nenhum; homem doutro "clube", por idade e circunstância, o dos cineastas teimosos e solitários que fazem da "caméra" o seu "stylo", sem metáfora; vão-se fazendo raros)


O fundo do ar é vermelho (Chris Marker 1921-2012)

Thursday, May 31, 2012

E foi assim que a ideologia da avaliação, que estabelece rankings e quantifica índices de felicidade, se tronou a verdadeira teologia do nosso tempo – uma teologia jansenista, de um Deus absconditus.

Wednesday, May 23, 2012

To wait for a cloud

- And the cloud in Red River, was it intentional or accidental?


- We saw it coming just as Wayne began reading the prayer over the grave. We told him to hurry his reading so that we could catch it at the right moment. This was a case of seizing an opportunity as it presented itself. I don’t think we would have held up the scene to wait for a cloud.

Nas nuvens

Eu gostei de Histórias de Caçadeira, mas Take Shelter deixa-me de pé atrás a partir do primeiro plano com o céu carregado de nuvens de tempestade. São nuvens falsas – muito bem desenhadas ao computador, mas falsas.

Cruzámos a última fronteira. Durante décadas, o céu era o único elemento absolutamente incontrolável. Os filtros e a iluminação podiam tornar a noite em dia e o dia em noite; aparelhos de aspersão podiam fazer chover num dia de sol, e talvez, com um pouco de engenho, fosse possível enganar a presença da chuva quando o que se queria era um dia de sol (ou pelo menos, um dia seco). Mas não se fazia mise en scène das nuvens. Pelo que quando as nuvens se tornavam elemento dramático isso era de facto espantoso (cf. Red River e aquela cena para a qual Bogdanovich bem tentou arrancar de Hawks uma explicação – que provavelmente não havia: apenas sorte, e a sabedoria necessária para perceber a sorte que tinha).

Agora é fácil ter-se as nuvens que se quer. Mas deixaram de ser uma presença da natureza para serem uma assinatura da tecnologia. Não é a mesma coisa. Aliás, é exactamente o seu contrário.

Imagino Vidor ou Ford a olharem para as nuvens de Take Shelter: se é fácil, what’s the point? Problema genérico do digital: torna fácil o que ganhava sentido por ser difícil, e que por ser difícil era especial. Teoria: quanto mais fácil for fazer filmes, mais difícil será fazê-los especiais. Mas é aí que já estamos.

Tuesday, May 22, 2012

O sistema Scott

Por puro acaso derivado de um arremedo de pesquisa para o post anterior, fui dar com esta entrevista de Ridley Scott. O que me impressionou foi isto: nunca tinha visto um cineasta explicar tão convictamente as razões que o levam a fazer apenas filmes que não prestam para nada. Voilá um excerto:

Je suis très critique envers moi-même et me pose toujours cette question : Le spectateur comprend-il ce que je veux lui raconter ? Si oui, OK, sinon trouvons une solution ! La remise en cause est importante pour un artiste d’autant plus s’il est censé s’adresser à beaucoup de monde. La clarté, la clarté et toujours la clarté ! C’est mon moteur. Je ne cherche pas à séduire, mais à intéresser. L’un des avantages des films à gros budget est leur retentissement. Voilà pourquoi je ne fais pas de documentaires, car ils concernent un nombre plus restreint de spectateurs.

Portanto, e primeiro, um problema estético: sem sombra que lhe dê sentido - obscurité oh ma lumière! - a "clarté" é nada. (Para além de que se os antigos, aqueles que viram nascer o cinema, lhe chamaram "a arte das sombras"e não "a arte da claridade", alguma razão teriam para tal).
 
Depois, um problema ético: para Scott - "le spectateur comprend-il?" - o espectador é um idiota.

O sistema Moullet

Em Le Système Moullet, os entrevistadores lembram a Luc Moullet a sua célebre resposta ao monumental questionário endereçado pelo Libération, em 1984 (salvo erro), a centenas de cineastas do mundo inteiro: "pourquoi filmez vous?". Entre as respostas brilhava a insolência da de Moullet: "pour gagner beacoup d'argent, pour me taper beaucoup de nanas et pour faire des belles voyages". Como é óbvio, ninguém que conhecesse Moullet acreditava por um segundo na sinceridade da resposta. E por isso, trinta e tal anos depois, Burdeau, Narboni e Labarthe aproveitam para lhe perguntar o que raio foi aquilo. E Moullet, tentando contrariar o sorriso de malícía juvenil que lhe traia a mine de Buster Keaton que mantinha desde o princípio da conversa, responde: "para ganhar, porque quando se responde a questionários desses só faz sentido responder para ganhar, e eu ganhei esse questionário, não há dúvida". Aproveitando o delay que esta tirada - como outras antes - provocou no trio de entrevistadores, Moullet continua: "foi uma boa resposta, mas para ser genial não devia ter sido eu a dá-la, antes alguém como Bresson ou Straub; cheguei a telefonar a Robert e propor-lhe que respondesse isto, mas acho que ele levou um bocado a mal".

Sim, isso é que teria sido verdadeiramente genial, Moullet tem toda a razão. E a moral da história é simples: não são as coisas que se dizem que são importantes, é o facto de elas serem ditas por quem as diz. Um mais um, como já tinha dito o velho JLG, que de resto disse e continua a dizer (ver clip do post abaixo) tudo o que há a dizer sobre praticamente tudo o que vale a pena ser dito, independentemente de ser ele a dizê-lo.

Ou assim. Em todo o caso, não estou no melhor da minha forma.

Thursday, April 05, 2012

Parrhesia

The Tsolakoglou government has annihilated all traces for my survival, which was based on a very dignified pension that I alone paid for 35 years with no help from the state. And since my advanced age does not allow me a way of dynamically reacting (although if a fellow Greek were to grab a Kalashnikov, I would be right behind him), I see no other solution than this dignified end to my life, so I don’t find myself fishing through garbage cans for my sustenance. I believe that young people with no future, will one day take up arms and hang the traitors of this country at Syntagma square, just like the Italians did to Mussolini in 1945.

Dimitris Christoulas

Sunday, February 26, 2012

Monday, February 20, 2012

Kaurismaki, cineasta axiomático

"For me a movie without at least one live music performance is like a Pope without artificial teeth"


(daqui)

Tuesday, January 17, 2012

A função social da internet

Sempre que, movido pela curiosidade ou pelo tédio, me atrevo a ir espreitar as caixas de comentários da secção de cinema do Ipsilon online, penso numa importante função social que a internet veio desempenhar, e no entanto habitualmente pouco referida. Dar voz a uma classe tradicionalmente muito desguarnecida no que à, hum, vocalização diz respeito: os idiotas.

Oráculo

Há aquela coisa que se diz: tira-se um livro qualquer da estante, abre-se ao acaso, e os olhos hão de pousar numa frase que, arrancada ao seu contexto, fará um sentido especial para o fortuito leitor. Com os filmes isto também funciona. Por exemplo: entro na cabine para dali espreitar a (belíssima) cópia espanhola do Mépris e caio exactamente em cima do momento em que Fritz Lang está a falar do "eterno problema dos gregos", "a luta do indivíduo contra as circunstâncias". E não digo isto por causa dos gregos, e muito menos penso que o "eterno problema" seja só deles: a frase diz, claramente, "a luta do indivíduo".

A segunda morte de Bach


Gustav Leonhardt, o Bach de Straub e Huillet - 1928-2012.

Saturday, January 14, 2012

Filme socialismo


...dizer o quê?... que o mundo se transformou numa fábrica de metáforas?...

Friday, January 06, 2012

I had to rearrange their faces and give them all another name

Prova de que os balanços anuais feitos em cima do momento (ia dizer: do joelho) são sempre altamente falíveis  é o facto de, depois, andarmos anos, eventualmente décadas, a descobrir o que de facto aconteceu nesse ano que tão lampeiramente tratámos de fechar. Como, noblesse (?) oblige, os tenho que fazer, e carregando um semblante minimamente decidido, é uma coisa em que tenho pensado. E tenho pensado, por exemplo, num crítico imaginário que, num ano ao acaso (digamos: 1939), não tenha falhado nenhum filme importante desse ano. Depois, penso nesse crítico imaginário como estando ainda vivo hoje, setenta e tal anos depois, e por função ou desfastio compelido a refazer a sua lista dos melhores de 1939: suspeito que este crítico imaginário (imaginário mas a sério: informado, capaz de ver filmes) só incluiria na sua lista feita contemporaneamente um título da sua lista feita em 39: exactamente, La Régle du Jeu (e só este porque, em 1939, talvez não tivesse incluido Young Mr Lincoln, omissão que agora lhe pareceria inaceitável, e certamente, estando baseado na Europa ou na América, não teria podido ver os Crisântemos do Mizoguchi, and so on and so on).

Isto tudo para dizer que só muito recentemente (merci Cyril, Teresa, Pierre-Marie) descobri o que me pareceu obviamente ser um dos grandes filmes da década passada. Masked And Anonymous, de Larry Charles, feito em 2003. Larry Charles? O mesmo que depois assinou as comédias de Sacha Baron Cohen. Aqui ele também assinou, e eventualmente dirigiu. Mas o autor do filme é outro: Bob Dylan, que o escreveu (com o pseudónimo de Sergei Petrov) e o protagonizou na pele de um alter ego. Ninguém o viu, porque os excelentíssimos reviewers americanos grand public que, de facto, decidem que filmes serão nados-mortos e que filmes terão direito a viver (nesta vontade de falar em nome do "grande público" eles são infinitamente mais perniciosos do que o "grande público" ele próprio, que continua a fazer o que sempre fez: vai ver o que a publicidade o manda ver; mas isto é toda uma outra história) decidiram que isto era uma grande palhaçada e chamaram-lhe todos os nomes possíveis. Flop americano e nem à Europa chegou. É uma grande palhaçada, é, mas exactamente no mesmo sentido em que se pode dizê-lo de uma canção como Desolation Row. Desolation Row cruzada com um auto-retrato (honesto e farsante), o fim do mundo tal como o vemos agora (mas em 2003 não víamos tão claramente), Natachas de conto russo, émulos de Greil Marcus e outros sociólogos do rock, a Bíblia, e todo o tipo de coisas que se podem encontrar dentro duma canção de Dylan. "I lobe hij shongs, becauje they are not precije", diz às tantas a Penelope Cruz no seu delicioso sotaque espanhol: o filme tem exactamente essa ausência de precisão que faz a força e a grandeza das melhores canções de Dylan.

Penso que faz sentido dizer que é o contraponto ficcional para o No Direction Home, o filme de Dylan em que Scorsese fez de Larry Charles. E que, obviamente, cem vezes melhor e mais intrigante do que o I'm Not There de Todd Haynes (ah, mas este sim, é que era bestial).

O Rosenbaum pô-lo na sua lista dos dez melhores de 2003. Honra lhe seja feita, ao Rosenbaum pouco lhe escapa.

O filme anda por aí, na internet, é pesquisar e encontrar (se o Google não censurar). Também por aí anda um site (cujo link agora não encontro) com todos os textos e diálogos, ferramenta importante porque o filme, muito godardianamente, cultiva o overlapping sonoro.

E por agora é isto, see you in another couple of months, se não for anths.