O cânone move-se, eppure lentamente: sessenta anos depois de 1952, Vertigo é agora o "melhor filme de todos os tempos", segundo a edição 2012 da célebre poll da Sight & Sound. Justíssimo, claro: há pelo menos cem, duzentos filmes, que muito justissimamente envergariam tal título. Citizen Kane ainda está em segundo lugar - é pena: deveria ter descido mais lugares, sair do top ten, do top fifty, para o podermos voltar a ver sem o "cliché" a poluir a vista. Redescobri-lo, na verdadeira acepção da palavra. Espero que Vertigo resista, por seu turno, ao peso desta proclamação: seria injusto, e descoroçoante, vê-lo reduzido a isto, condenado a ser, só, "o melhor filme de todos os tempos".
Entre 1952 e 2012, cada poll da Sight & Sound disse alguma coisa sobre a história do cinema e muito sobre as tendências, os modos de ver e de pensar, em cada década. Mas também fixou uma espécie de grande ideia feita, que podemos de facto confundir com um cânone, cujo peso se foi fazendo sentir de década para década. Talvez a poll de 2012 traga uma mudança significativa (não sei, ainda não vi a lista com atenção), mas até há dez anos a sensação era que a cada década as variações eram mínimas, e cada nova poll, em vez de estabelecer uma nova lista, fazia fundamentalmente um reajuste da lista original de 1952. O que era bizarro, não apenas por tudo o que aconteceu depois de 1952, mas sobretudo por aquilo que ao longo destes anos todos se foi conhecendo, e em face do que se foi conhecendo, reavaliando, sobre o cinema anterior a 1952.
Não quero dizer que pessoalmente tenha contribuido muito para uma "renovação". Quando cheguei aos 9 e reparei que ainda ía nos anos 40, em vez de refazer resolvi abreviar, como se notará abaixo, saltando para 1959. Incluí um décimo-primeiro filme (o chamado
Socialisme, de JLG), como símbolo de tudo o que ficou em falta - antes e depois de 1959. Gentilmente, os senhores da Sight & Sound disseram-me "no jokers", e tive que remover o 11º, mencionado apenas no texto de acompanhamento (que escrevi por compulsão e agora me parece que era dispensável). Como isto é só meu blog, deixo-o estar.
Aleatório (claro) ma non troppo (como deve ser), ficou assim:
INTOLERANCE, DW Griffith, 1916
SUNRISE, FW Murnau, 1927
DAS TESTAMENT DES DR MABUSE, Fritz Lang, 1933
YOUNG MR. LINCOLN, John Ford, 1939
LA RÈGLE DU JEU, Jean Renoir, 1939
ZANGIKU MONOGATARI, Kenji Mizoguchi, 1939
THE GREAT DICTATOR, Charles Chaplin, 1940
IVAN GROZNII, Sergei Eisenstein, 1944-58
GERMANIA, ANNO ZERO, Roberto Rossellini, 1948
PICKPOCKET, Robert Bresson, 1959
+ FILM SOCIALISME, Jean-Luc Godard, 2010