Concordo plenamente com
isto. Rivette, Resnais e Rohmer fazem a palavra "octogenário" ser sinónima de "livre". A liberdade (ou se calhar melhor, a audácia) de fazer o que lhes der na real gana, sem se preocuparem com convenções nem com consequências. O prestígio já não cresce nem diminui, a "carreira" já não é uma preocupação. Evidentemente que depois existe esse factor nada dispiciendo que é o facto de serem muitíssimo talentosos (condição
sine qua non). É um dos segredos de Manoel de Oliveira, esse homem que já era octogenário aos vinte anos: fazer de cada filme um gesto único e solitário, obsessivo e monomaníaco se for caso disso, segui-lo até ao fim correndo mesmo o risco do ridículo, sem ir atrás de ninguém, sem dar ouvidos a mais nada para além de uma ideia fixa e obstinada. Uma intuição, selvagem como todas as intuições, e o trabalho da sua sofisticação: o contrário do cinema
como deve ser, do cinema de manual, do cinema de escola. (Pensar em todos os grandes "filmes de velhos", os últimos Dreyers, a
Gertrud, nos últimos Fords, Chaplins ou nos últimos Renoirs - talvez menos nos últimos Hitchcocks, homem cuja vaidade complexada, digo eu, não lhe terá permitido ser tão "livre": estamos lá perto).
Entretanto, já podem apanhar o Rivette em DVD.
Este feliz zénite criativo tardio dos três octogenários ex-nouvelle vague, e pensando ainda no Godard, homem-monumento em todos os sentidos, bons e maus, que queiram dar à expressão, na Varda, que depois do inesperado sucesso comercial dos Respigadores está outra vez em alta, nos Demys que quanto mais se revêem mais revelam uma delicadeza e uma graça desprotegidas e irrepetíveis, no Chabrol e no seu cinismo autista, que não lhe evita altos e baixos mas fez dele um cineasta "inafundável", torna ainda mais incompreensível uma afirmação que li outro dia, folheando um livro de crónicas de João Pereira Coutinho (parece que não as do Expresso, umas escritas para uma revista brasileira). Vinha a propósito de Woody Allen, e entre outros considerandos que me pareceram um bocado estapafúrdios lá estava este: "Truffaut - o único nouvelle vague que resistiu". WTF???? Resistiu a quem, a quê, onde? E os outros a quem, a quê e onde é que "não resistiram"? E logo Truffaut, aquele de quem se pode dizer que, exactamente ao contrário, foi o primeiro a "desistir"? Eu sei que JPC a escrever sobre cinema é puro n'importe quoi, espero que mais por má vontade do que por ignorância. Mas bolas, fiquei irritado.