Tuesday, February 20, 2007

Miami Melancholy (e alguns acenos)

"Melancholy is the only way of living on a long-term basis in the world", não sou eu que o digo, mas Jean-Baptiste Thoret num ensaio sobre Miami Vice publicado em Senses of Cinema.

Esse pequeno gesto talvez seja a coisa mais ínfima do filme, mas foi a partir daí que fiquei conquistado. Enfim, conquistado já estava, depois da sequência da lancha e dos mojitos, mas digamos irreversivelmente conquistado.

Quatre-vingt-quinze pour cent parece-me uma estimativa optimista.

Sim, um "mistério", e há aquela progressão matemática profetizada pelo Langlois, eu sei. O cinema talvez não morra, mas o "espectador de cinema" tornou-se uma espécie demasiado rara, em proto-extinção: o Renoir falava de "3 pessoas em 6 000", não de 3 pessoas em... 3.

Thursday, February 15, 2007

Pernas, para que as queres



















Um plano típico de Young Mr Lincoln. O corpo de Henry Fonda/Lincoln disposto de maneira a atravessar o enquadramento de um lado ao outro, simultaneamente conformado com os limites da moldura e em desafio à sua expansão. "Les grandes jambes" de Fonda e "les plans trop petits qui les acueillent", escreveu Louis Skorecki. Sem nunca sair de uma estrutura clássica, Young Mr Lincoln também é um ensaio, obviamente deliberado e em plena consciência, sobre o "tratamento de um corpo". Desde 1939 duvido que se tenha feito melhor, e tenho a certeza que não se fez mais subtilmente.

Curiosamente, em várias cenas Fonda/Lincoln aparece a tocar uma guimbarda, embora as legendas em português da edição DVD lhe chamem uma "harpa dos judeus".

Wednesday, February 14, 2007

Outros tempos a sangue frio

Já tive mais do que uma conversa sobre o que quer exactamente dizer a expressão "cold blooded old times". Tenho uma teoria. Imaginemos que um indivíduo evita ouvir determinada canção. Por nenhuma razão estética, pode gostar dela ou não, é irrelevante - apenas porque, imaginemos, esse indivíduo a ouviu, anos atrás, em dadas circunstâncias, e no seu espírito ela ficou intimamente associada a esse momento, de que ele não quer lembrar-se talvez simplesmente porque não o consegue esquecer. Foge, portanto, da canção, fugindo através dela, desse dado momento da sua vida. Nunca põe a tocar, e afasta-se sempre que pressente a menor hipótese de ela lhe vir a entrar pelos ouvidos.

Mas se um dia liga o rádio e dá de chofre com a canção, e com tudo o que vem com ela - pois bem, isso são cold blooded old times, outros tempos a sangue frio.

Julgo que não seria Bill Callahan a desmentir-me.