Thursday, March 30, 2006
Le plus beau des films
É impossível não voltar a Mouchette. Sei do que falo: já tentei mas volto lá sempre.
Thursday, March 02, 2006
Pequeno elogio de Jodie Foster (e de Jonathan Demme)
- Portanto, depreendo, O Silêncio dos Inocentes.
- Sim. Nunca mais tinha revisto. Guardava a ideia de um thriller eficaz, obra de um artesão inteligente e dotado, a boa qualidade média de Hollywood que quanto mais rareia mais é preciso elogiar.
- E não é isso?
- É. Mas é um bocado mais do que só eficaz. Aliás a eficácia, no fim de contas, é o que menos importa. Só satisfaz a necessidade de circo. Como o Hannibal Lecter, de resto.
- Explica.
- É uma ironia que O Silêncio dos Inocentes tenha dado origem a uma série de filmes centrada na personagem do Hannibal. Porque é só um palhaço mau, um monstro do género dos que se podem encontrar em qualquer comboio fantasma.
- Mas para a personagem da Jodie isto é como uma viagem num comboio fantasma, não?
- É. E é como uma viagem dessas que o Demme filma o primeiro encontro dela com o Hannibal, naqueles travellings laterais ao longo do corredor. Repara que todos os homens a cobiçam, mesmo o director da prisão. Repara que há um que diz “I can smell your cunt” e depois se masturba, e lhe atira esperma para cima.
- Ah, estou a ver. A feminilidade acossada.
- Exacto. Hannibal é para a Jodie um porto de abrigo, a possibilidade de uma relação de troca, quid pro quo, como ele diz.
- Protegem-se.
- Como um pai e uma filha. Como o pai que ela perdeu e de que ele a obriga a lembrar-se.
- Então não é só um palhaço mau, afinal…
- É, na narrativa é. Só tem importância quando está frente à Jodie, por causa do que ela reflecte nele. Sem ela, não tem razão de ser.
- Achas, portanto, que é tudo em nome do pai.
- Não. Acho que é tudo em nome dela. É a história de uma rapariga frágil, terrivelmente insegura, com bem pouca auto-estima, in a man’s world. Homens, homens, homens. Mulheres, só vítimas. E a Jodie.
- Vais dizer que é um filme feminista.
- Ah pois vou. Não necessariamente no sentido político do termo, mas vou. Lembra-te do filme do Demme passado numa prisão de mulheres. Não se trata dum novato no que toca a filmar a fúria feminina. E repara que o assassino é um homem que se quer transformar em mulher.
- Ela mata-o.
- Pois mata. Percebes qual é a moral da história?
- Qual é?
- Que ser mulher não é para qualquer um, é preciso ter tripas, só a pele não chega. É a moral de todos os filmes da Jodie Foster. Até dos maus: essa também é a moral do Flight Plan, por exemplo.
- Política de actores.
- Política de actores. Garanto-te que a Jodie faz sempre o seu filme à parte dentro dos filmes dos outros. É dessa cepa.
- Acredito.
- E sabes que ela estava mais parecida em 1991 com a miuda do Taxi Driver do que em 2006 se parece com a miuda de 1991?
- Não, mas também acredito. São quinze anos para trás e quinze anos para a frente.
- Sim. Nunca mais tinha revisto. Guardava a ideia de um thriller eficaz, obra de um artesão inteligente e dotado, a boa qualidade média de Hollywood que quanto mais rareia mais é preciso elogiar.
- E não é isso?
- É. Mas é um bocado mais do que só eficaz. Aliás a eficácia, no fim de contas, é o que menos importa. Só satisfaz a necessidade de circo. Como o Hannibal Lecter, de resto.
- Explica.
- É uma ironia que O Silêncio dos Inocentes tenha dado origem a uma série de filmes centrada na personagem do Hannibal. Porque é só um palhaço mau, um monstro do género dos que se podem encontrar em qualquer comboio fantasma.
- Mas para a personagem da Jodie isto é como uma viagem num comboio fantasma, não?
- É. E é como uma viagem dessas que o Demme filma o primeiro encontro dela com o Hannibal, naqueles travellings laterais ao longo do corredor. Repara que todos os homens a cobiçam, mesmo o director da prisão. Repara que há um que diz “I can smell your cunt” e depois se masturba, e lhe atira esperma para cima.
- Ah, estou a ver. A feminilidade acossada.
- Exacto. Hannibal é para a Jodie um porto de abrigo, a possibilidade de uma relação de troca, quid pro quo, como ele diz.
- Protegem-se.
- Como um pai e uma filha. Como o pai que ela perdeu e de que ele a obriga a lembrar-se.
- Então não é só um palhaço mau, afinal…
- É, na narrativa é. Só tem importância quando está frente à Jodie, por causa do que ela reflecte nele. Sem ela, não tem razão de ser.
- Achas, portanto, que é tudo em nome do pai.
- Não. Acho que é tudo em nome dela. É a história de uma rapariga frágil, terrivelmente insegura, com bem pouca auto-estima, in a man’s world. Homens, homens, homens. Mulheres, só vítimas. E a Jodie.
- Vais dizer que é um filme feminista.
- Ah pois vou. Não necessariamente no sentido político do termo, mas vou. Lembra-te do filme do Demme passado numa prisão de mulheres. Não se trata dum novato no que toca a filmar a fúria feminina. E repara que o assassino é um homem que se quer transformar em mulher.
- Ela mata-o.
- Pois mata. Percebes qual é a moral da história?
- Qual é?
- Que ser mulher não é para qualquer um, é preciso ter tripas, só a pele não chega. É a moral de todos os filmes da Jodie Foster. Até dos maus: essa também é a moral do Flight Plan, por exemplo.
- Política de actores.
- Política de actores. Garanto-te que a Jodie faz sempre o seu filme à parte dentro dos filmes dos outros. É dessa cepa.
- Acredito.
- E sabes que ela estava mais parecida em 1991 com a miuda do Taxi Driver do que em 2006 se parece com a miuda de 1991?
- Não, mas também acredito. São quinze anos para trás e quinze anos para a frente.
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