Pensei escrever alguma coisa sobre o "caso Straub" (se não sabem do que falo, podem ler o essencial aqui, bem como um comentário de Tag Gallagher), que na sombra - ou no negativo? - do "caso Manuel Paleólogo" vai agitando algumas consciências. Mas, depois de pensar cinco minutos, torna-se óbvio que nem existe caso nenhum. Há mais de quarenta anos que Straub produz tiradas destas, mas para o ouvirem foi preciso que metesse numa delas a palavra "terrorista". Sinal dos tempos. Não é meigo, Jean-Marie, e nunca foi. O seu primeiro filme chamou-se Não Reconciliados, e até hoje estamos para ver um gesto conciliatório da sua parte. Straub filma a violência, violenta e politicamente. Não vive nem filma para fazer amigos, mas para cavar diferenças e delimitar trincheiras. Também não filma para fazer espectadores: não são os que entram na sala que lhe interessam, são os que ficam. Leva-se menos a sério do que possa parecer, mas para saber isso há que ter tido o privilégio do contacto pessoal, por curto que fosse, ou então ter visto o filme de Pedro Costa sobre ele e Danièle Huillet (a que, obviamente, ninguém ligou pevides).
Não sei exactamente, na declaração de Straub, onde se situa a linha entre o figurado e o literal, mas algures se situará. Não é importante: mesmo que fosse 100% figurado haveria pavlovianos para levarem tudo à letra. E mesmo que fosse 100% literal, não mudava o essencial: Straub continuaria a ser um grande cineasta (no fim desta década no top ten há-de estar Une Visite au Louvre, filme que só tem pintura e vento nas árvores), mas se calhar com um novo abismo, à la Hitchcock - que "fazia filmes para não ir para a prisão" e, bom, Straub se calhar também, por outras razões. Mas não exageremos, um filme não é uma bomba. No caso de Straub ainda menos. É imodesto da parte dele comparar-se a um terrorista: Straub faz filmes que ninguém vê, não comete atentados que ninguém pode deixar de ver.
E agora, rapazes, que fazer, boicotar Straub? Dizer "não voltarei a beber desta água de que nunca bebi"? Olha a mossa. A marginalidade é, de facto, inexpugnável. Razão tinha o outro: "Quando não tens nada não tens nada a perder". Straub não tem nada, e a sua força é essa.
Adenda: Vale mesmo a pena seguir o link na segunda linha e ler o comentário de Tag Gallagher.
Adenda 2 (e errata): Não Reconciliados (Nicht Versohnt), é o primeiro Straub de longa-metragem. O primeiro Straubfilm é Machorka-Muff, uma curta. O subtítulo de Não Reconciliados é Só a Violência Ajuda onde a Violência Reina.