O Público traz hoje uma pequena peça sobre o “legado cultural” da Presidência Bush tal como foi avaliado por um conjunto de artistas e intelectuais americanos. Avaliação negativa, como seria de esperar: mesmo a um olho nu e distanciado Bush não parece uma figura à sombra da qual floresçam as artes e produção intelectual, e ainda menos alguém interessado em promovê-las.
Mas um “legado” é sempre mais do que aquilo que se promove, é também aquilo que se gera involuntariamente, aquilo que aparece “em reacção”. E aí parece-me que há um legado Bush, que é um pouco mais do que o folclore de uma “cultura anti-Bush” porque tem a ver com os meios e com os modos. No que conheço melhor, o cinema, os últimos anos assistiram ao reaparecimento de uma tradição que estava por motivos vários bastante adormecida – o filme político, clara e declaradamente político. Provavelmente desde Nixon que não havia um presidente tão inspirador para os cineastas e argumentistas americanos. Mas mais do que isso – e eu não gosto particularmente de Michael Moore mas ele foi uma figura fundamental neste processo – reviveu-se a ideia de que o cinema tinha um papel a desempenhar no combate político, ser um instrumento, uma “arma”. Havia décadas, desde a generalização da televisão, que não se considerava o cinema assim nem se lhe atribuia este poder. As palavras exasperadas com que Gore Vidal critica W., o filme de Oliver Stone, são elucidativas: “Não precisamos de Freud quando estamos a lidar com Calígula”. Vidal censura Stone por se furtar, justamente, à dimensão combativa – o que é significativo das expectativas depositadas no cinema, no momento em que Bush abandona a presidência. Isto não pode ser dissociado do seu legado: We’ll fight them on the beaches, on the streets, mas também in the movie theaters.
Com sorte, o them é indeterminado.
Mas um “legado” é sempre mais do que aquilo que se promove, é também aquilo que se gera involuntariamente, aquilo que aparece “em reacção”. E aí parece-me que há um legado Bush, que é um pouco mais do que o folclore de uma “cultura anti-Bush” porque tem a ver com os meios e com os modos. No que conheço melhor, o cinema, os últimos anos assistiram ao reaparecimento de uma tradição que estava por motivos vários bastante adormecida – o filme político, clara e declaradamente político. Provavelmente desde Nixon que não havia um presidente tão inspirador para os cineastas e argumentistas americanos. Mas mais do que isso – e eu não gosto particularmente de Michael Moore mas ele foi uma figura fundamental neste processo – reviveu-se a ideia de que o cinema tinha um papel a desempenhar no combate político, ser um instrumento, uma “arma”. Havia décadas, desde a generalização da televisão, que não se considerava o cinema assim nem se lhe atribuia este poder. As palavras exasperadas com que Gore Vidal critica W., o filme de Oliver Stone, são elucidativas: “Não precisamos de Freud quando estamos a lidar com Calígula”. Vidal censura Stone por se furtar, justamente, à dimensão combativa – o que é significativo das expectativas depositadas no cinema, no momento em que Bush abandona a presidência. Isto não pode ser dissociado do seu legado: We’ll fight them on the beaches, on the streets, mas também in the movie theaters.
Com sorte, o them é indeterminado.