Às vezes tenho a sensação de que o velho "efeito Kulechov" é mesmo a coisa mais poderosa do cinema, e de que se calhar o próprio cinema não é mais do que um blow-up da experiência do velho Lev (talvez aquilo a Godard chamaria, em tom sacralizador, a "montagem") . Necrology, de Standish Lawder, que vi hoje: pouco mais de dez minutos (estamos em pleno domínio, vasto e heteróclito, daquilo a que se entendeu por bem chamar "cinema experimental") em que toda a força vem da justaposição de uma legenda ("necrology" em caracteres de horror movie sobre fundo negro) e de um longo plano que "sobrevoa" uma multidão que desce umas escadas ambulantes. Rostos de gente normal, gente de todo o tipo, gente como eu e você, desprevenidamente deambulando ou trabalhando, sobre quem a legenda inicial fez recair uma maldição, mais do que inexorável (como é que é?... "mortos em licença"?...), inerente à condição humana: um dia, estes rostos ilustrarão um cantinho das páginas necrológicas do jornal. E, no fim (é o terceiro e último plano do filme), um genérico aparentemente (mas só aparentemente) humorístico vem identificar os "participantes", numa tipologia algo "borgesiana" (categorias arbitrárias, que não se excluem mutuamente) com o condão de celebrar a existência e os diferentes estados da existência: é "o homem que veio do dentista", ou "o diplomata reformado", ou "o marido incompreendido pela mulher".
Transformar o corriqueiro em elegíaco, voila le (plus) beau souci.