Tuesday, July 01, 2008

Speed racer (ou André Bazin nas corridas)


Para além de Paul Newman e, para seu azar, de James Dean, o outro speed racer de Hollywood foi Steve McQueen. No final dos anos 60, quis fazer um filme sobre as 24 horas de Le Mans. Já tinha participado, com sucesso, em corridas americanas, e não teve medo de se misturar com a nata dos profissionais europeus: inscreveu um Porsche 917 para a edição de 1970, que deveria conduzir a meias com Jackie Stewart, nem mais nem menos. Por uma razão que não conheço, o carro acabou por não participar na corrida. Mas estava lá outro Porsche, guiado por pilotos profissionais, que levava uma câmara montada no dorso e participava apenas para recolher imagens da corrida para o filme de McQueen.

Que muito naturalmente se chamou Le Mans. Estreou-se no ano seguinte (1971) e foi realizado por Lee H. Katzin. Vi-o uma série de vezes quando era adolescente. E lembrei-me dele enquanto via Speed Racer, a última fantochada dos irmãos Wachowski. Ninguém que goste de corridas de automóveis - de corridas a sério - pode gostar de Speed Racer: uns carrinhos de choque a andar às voltas numa espécie de Scalextric gigante, e o pessoal do CGI encarregue de tratar dos ditos carrinhos nem conseguiu pô-los a fazer as curvas de maneira convincente (a traseira ginga de um modo esquisito, e das duas uma: ou são carros com uma distribuição de pesos altamente irrealista, e por certo nada eficaz, ou quem os trabalhou nunca viu um automóvel de competição a fazer-se a uma curva - ou então os carrinhos nem são CGI, apenas uns brinquedos mal feitos, e juro que até na Scalextric da minha infância o Porsche branco e o Ferrari amarelo, ambos de plástico, faziam as curvas com mais realismo).

Não me recordo bem de Le Mans, provavelmente é um filme tão mau como Speed Racer, ainda que por outros motivos. Mas cheira a gasolina e a borracha queimada. Nos longos planos (se bem me lembro, longuíssimos, género travelling-de-Kiarostami-a-trezentos-e-cinquenta-à-hora-pelas-Hunaudières-abaixo) captados a bordo do Porsche da produção, estão inscritas as marcas de uma experiência, datada, localizada, e por isso irrepetível. É a vantagem dos maus filmes analógicos sobre os maus filmes digitais. Em Speed Racer, nem carros decentes me dão, quanto mais uma experiência.