Há uns anos, bastantes anos mas não assim tantos, a hora do telejornal gerava um curioso efeito. Em casas como as em que vivia ou passava boa parte do ano (em Lisboa ou em Tomar), situadas em ruas pequenas cujas traseiras formavam uma espécie de pátio rear window-ish, as oito da noite traziam uma reverberação singularmente harmónica: o ar enchia-se do som de dezenas de televisores, todos sintonizados no mesmo programa, na mesma voz, nas mesmas palavras. Era uma sensação extremamente reconfortante. Estávamos todos a ver o mesmo, era como se todo um bairro partilhasse as mesmas inquietações, as mesmas angústias, a mesma experiência das coisas. Todos - os filhos da porteira como os filhos do doutor (e isto foi de certeza uma das razões por que precisei de chegar a adulto para ter uma noção do que eram e do que importavam as origens de classe). A essa hora, pelo menos, os problemas e as alegrias eram os problemas e as alegrias de todos. A proximidade era fácil, a comunidade uma coisa simples.
Hoje? Hoje em cada casa se vê um telejornal diferente. Cada um virado para seu lado. E pelas janelas, em vez de harmonia, vem cacofonia.
(advertência ao leitor: isto não é um post saudosista da RTP única; isto não é sequer um post sobre televisão)