Désiré, de Sacha Guitry, é (em absoluto) um belo filme e (em especial) um belo filme sobre as relações entre patrões e criados (espécie de pré-La Régle du Jeu em versão teatro de boulevard; e se o de Renoir, que é de 39, põe uma pedra sobre o assunto, o de Guitry, que é de 37, já avançava, muito explicitamente ou muito elipticamente, hesito, a promiscuidade como [dis]solução do ancien régime). Portas, escadarias, pisos superiores e inferiores a dar com um pau, como seria de esperar. E o habitualmente tão misantrópico Guitry, aristocrata em pele de valet de chambre, a inverter todas as relações de poder, mas sobretudo todos os sentimentos de poder: mesmo os patrões são os criados de outros, como o pobre ministre. E é esta humanidade, esta possibilidade de compaixão, que revela, por antecipação, que tudo se tornou numa mascarada (na comédie do filme de Renoir). Como quando o ministre, que por estatuto se sentiu na obrigação de ser arbitrariamente severo com o valet, remói a caminho do quarto: "ah, como é fácil ser injusto". Um verdadeiro monsieur não sofreria com isto.