1) Confesso que me aborrece um bocado a insistência na “adolescência” de Tarantino. Até aborrece mais nos textos a defender Inglourious Basterds (julgo que acertei na grafia) do que nos que o atacam (porque nestes é um argumento como qualquer outro, enquanto naqueles se transforma numa espécie de condescendência). Não me parece que haja um pingo de adolescência em todo o filme, bem pelo contrário. Acho até – como em Deathproof – que é um filme feito contra as expectativas de (e da) adolescência. Para já, a euforia é rara, a “acção” mais ainda, e a festa é nenhuma – são “conversation pieces” sobre “conversation pieces”. E depois, as cenas com mortes e sofrimento físico são o oposto de uma lógica de “shoot ‘em up”, os corpos não desaparecem no ar, e há um jeito especial para fazer sentir que cada tortura tem por objecto um corpo humano que para o espectador é sempre, psicologicamente, real. Para mim, um dos golpes de génio do filme está em fazer dos torturadores os Basterds, os “heróis”, e as vítimas os nazis. As cenas dos escalpes (que têm imeeeeeenso que se lhes diga no sentido em que remetem para um universo de western e sobretudo para uma América, a dos índios, chacinada em massa) e aquela “body art” (“I think this could be my masterpiece”…) das suásticas nas testas provocam o mesmo desconforto que provocava a “cena da orelha” nos Reservoir Dogs, e aliás os Basterds são basicamente um grupo de primos do Mr Blue com licença oficial para torturar (Abu Ghrayeb anyone?) – ora que Tarantino baralhe assim o maniqueísmo (“nazis got no humanity”) não só não me parece nada “adolescente” como imagino que crie alguns curto-circuitos na cabeça de espectadores com esperanças, digamos e sem ofensa, adolescentes.
(Ainda não revi o filme, coisa que tenciono fazer em breve – no único visionamento que fiz fiquei com a ideia de ser um daqueles filmes inesgotáveis)
2) Outra coisa que me aborrece um bocado são as vírgulas mal colocadas. Gosto muito de gralhas, sobretudo daquelas que alteram o sentido das palavras ou das frases, das que aparecem por desatenção ou conduzidas por forças superiores que apenas Freud explicaria. Nunca me ouvirão a censurar gralhas. Agora, vírgulas mal colocadas não suporto. São como as fífias de um baixista, as pedras mal colocadas na calçada que nos fazem tropeçar, os árbitros que apitam qualquer encostozinho a meio-campo. Fazem-nos reparar em coisas em que não precisamos de reparar porque nos basta saber e sentir que estão lá. A função delas é essa. Mais do que isto é exagero e impertinência. Interrompem e incomodam. Não tenho lido muitos blogs, mas dei-me conta de que corria aí um movimento anti-ponto de exclamação. Não percebi bem o motivo, parecem-me de existência tão rara os pontos de exclamação. E acredito que os pontos de exclamação, pelo menos em parte, são um problema levantado pela má colocação de vírgulas. Exemplifico. Há bocado comprei um livrito, tradução portuguesa de um original noutra língua e, todo contente, comecei a lê-lo mal cheguei a casa. Ao fim da primeira página já tinha dado por três vírgulas mal colocadas. Perante a expectativa de este ritmo se manter pelas restantes cento e tal páginas, tive um momento de desânimo, saiu-se-me um “porra!” e encostei o livro, em que ainda não voltei a pegar. Vim escrever posts como parte do processo de mentalização para voltar à leitura. Mas portanto, e era aqui que queria chegar, não percamos tempo a vilipendiar o ponto de exclamação: combatamos a vírgula mal colocada e o ponto de exclamação torna-se mais raro ainda do que o que já é.
(isto antes de estar escrito tinha alguma graça; mas eu sei, eu sei: estou a precisar de férias)