Friday, February 15, 2008

The perception of doors

Não há mais mal afamado tipo de plano de ligação do que o que mete portas. Um plano de alguém a abrir uma porta, seguido de um plano dessa mesma pessoa a fechar a porta, agora do outro lado. "Quando começo a ver muita gente a abrir e a fechar portas fico logo desconfiado", lembro-me de ouvir Pedro Costa dizer numa ocasião. Claro que isto se refere àqueles planos que não adiantam nem atrasam, simples signposts para o espectador não se perder, que não têm sequer nada a ver com uma "decomposição" da acção.

Coisa bem diferente são os planos e as cenas em que as portas são tudo. Em que sem portas não havia filme. O maior "cineasta de portas" foi, claro, Lubitsch. (Lembrei-me de Pedro Costa porque nos últimos Cahiers chamam a Juventude em Marcha um "filme de portas", ideia interessante [mas eu talvez lhe chamasse antes um "filme de paredes", sendo certo que as portas são muito importantes em quase todos os filmes de Pedro Costa, por exemplo as portas que não há em Casa de Lava, ou aquelas em cuja soleira se instala Straub no filme do Sourire Enfoui]).

Isto tudo para dizer que boas cenas com portas a abrir e a fechar são coisa rara. Quando se vê uma é uma alegria. O último Rivette, Ne Touchez Pas la Hache, tem uma magnífica: o Marquês de Montriveau (genial Guillaume Depardieu, feito bête seule) arrastando a perna postiça pelas divisões da casa da Duquesa de Langeais (Jeanne Balibar, toda obstinação quebrantada, se se diz assim), abrindo todas as que encontra pelo caminho, numa barulheira bestial. Três, quatro planos, muito curtos, onde a percepção das portas é tudo.