Não é a "ideologia" de Babel que me irrita. Aliás, nem consigo perceber muito bem qual é a "ideologia" de Babel, para além da exibição estereotipada de um "testemunho dos efeitos da globalização" (aliás bastante linear e bastante simplista: a globalização não é uma linha contínua como a que mostra o filme de Iñarritu por muito que a tente complicar; são muitas linhas descontínuas que avançam ao mesmo tempo em várias direcções; a melhor metáfora, se estamos aí, seria uma "tapeçaria"; ora não é uma estrutura dessas que encontramos em Babel, antes uma soma a+b+c+d que, sendo a ordem dos factores arbitrária, não se torna mais complexa pela desarrumação a que Iñarritu a submete). Julgo até, ideologicamente falando, que Babel dá um tiro no pé: que moral para além da negação do provérbio que diz que é melhor dar uma cana de pesca (ou uma carabina) a um pobre do que um peixe (ou um bife)?
Fui à procura do que escrevi sobre Amor Cão, suponho que em 2001. É até surpreendentemente brando tendo em conta a irritação que o filme me provocou (e que o tempo não atenuou, pelo contrário):
Não vale a pena ficar surpreendido com o acabamento industrial de “Amor Cão” porque, nesse domínio, a tradição do cinema mexicano já tem várias décadas. Sobra a condescendência por se tratar de uma primeira obra, mas mesmo aí não parece haver grandes razões para festejos – é verdade que “Amor Cão” tem uma estrutura narrativa algo intrincada, manejada com relativa segurança, mas é de duvidar que se ela não se parecesse tanto com alguns modelos americanos (Altman, Tarantino) o filme de Gonzalez Inarritu desse tanto nas vistas. Desequilibradíssimo, nem sempre ágil no aproveitar da melhor maneira as duas ou três ideias interessantes que exibe, “Amor Cão” é um filme que se vai esgotando ao longo da sua duração, por manifesta incapacidade de renovação. E o último segmento, derradeiro teste à paciência do espectador, acaba por denunciar que, apesar de toda a euforia visual do filme, o sangue que lhe corre nas veias é de telenovela.
Questões de qualidade (minha) à parte, muito do que disse sobre Amor Cão vale para Babel. Se a ideologia vem ao caso, não é nenhuma ideologia pré-existente, mas antes a ideologia produzida pelo filme. A ideologia cinematográfica, por assim dizer. Que me parece pobre, gasta e, pedindo desculpa pela palavra, intrujona, em Amor Cão, 21 Gramas e Babel.
Thanks for the nice words.