Nunca foi uma preferência minha, mas era um cineasta altamente estimável. Imamura vinha da geração da chamada “nova vaga japonesa” (a mesma de Oshima), que se definiu pela violentíssima reacção aos modos de funcionamento codificados (e sublimados) da sociedade japonesa. E por arrasto, aos do cinema japonês das gerações anteriores, sobretudo os das grandes sombras tutelares como eram Mizoguchi e Ozu, contra o qual a “nova vaga” filmou. Imamura foi um dos mais activos (e mais consequentes) na demolição do “ser japonês”: brutal, quase abjeccionista, muitas vezes animalesco. A animalística, de resto, era uma das características mais marcadas do cinema de Imamura – “A Balada de Narayama”, por exemplo, está cheio de inserts de répteis e insectos, equiparando os instintos básicos dos animais aos dos homens (sexo e comida, principalmente). Para Imamura um homem, antes (ou depois) de ser uma entidade cultural e civilizada, era uma criatura feroz, um animal selvagem e instintivo, e foi a lembrar esse conflito fundamental (e reversível) aos seus contemporâneos e conterrâneos que dedicou grande parte da sua obra. Com ele o verniz estalava sempre, e filmar o momento em que estalava era a razão de ser do seu cinema.
Deste óptimo ensaio copio a epígrafe, notável síntese do cinema de Imamura pelas suas próprias palavras: “I am interested in the relationship of the lower part of the human body and the lower part of the social structure on which the reality of daily Japanese life obstinately supports itself.”